A vida dura das trupes que vão a Curitiba

Um pequeno exército de cerca de mil novos atores, atrizes e dramaturgos se viram como podem para chegar ao Fringe, mostra paralela do Festival de Teatro de Curitiba

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Por Agencia Estado
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Eles viajaram 14 horas de ônibus, de Belo Horizonte a Curitiba, e estão dormindo sobre colchonetes num galpão, sede de uma companhia local. São três músicos, o diretor, quatro atores e o "Marcelo da produção", integrantes da Cia. Clara de Teatro que vieram à cidade mostrar seu espetáculo na mostra paralela, o Fringe, do Festival de Teatro de Curitiba. "Conheci os atores da Cia. Portátil, aqui de Curitiba, num festival no Rio", conta a atriz Grace Passô. "Aí propomos a eles uma produção caseira. A gente fica na casa deles aqui e eles na nossa quando forem a Belo Horizonte", diz o diretor Anderson Anibal. Precariedade, no caso deles, só nas condições da viagem. No palco, mostraram um bonito trabalho, Coisas Invisíveis, com direito a sofisticação da música ao vivo. Além disso eles pagam para integrar o evento. Cada grupo paga R$ 50 por sessão e mais 20% da bilheteria arrecadada. Os artistas da mostra oficial, ao contrário, que ganham cachê, estadia e transporte para participar do festival. Nesta 13.ª edição, que dura 11 dias e termina no domingo, entre os 129 grupos que estão na mostra paralela, 74 são de outros Estados do Brasil. Levando-se em conta que cada grupo tem no mínimo quatro integrantes, é fácil verificar que o total ultrapassa a casa das mil pessoas. Se é tão difícil, por que vir? "Antes de mais nada o contato com outros grupos. Trocar experiências, fazer novos amizades e ouvir opiniões sobre o espetáculo de uma platéia diferente daquela a que estamos habituados vale muito a pena", diz o diretor e ator Antonio Rodrigues, da Cênica Companhia de Repertório, de Garanhuns (PE). Ele divide o palco com a atriz Lilian, na peça Apaga a Luz. A experiência dessa companhia é a prova de que, felizmente, a busca dos famosos 15 minutos de fama não é o que move a grande maioria dos grupos a arriscar-se nessa árdua empreitada. Rodrigues esteve no festival pela primeira vez ano passado com o espetáculo Uma Peça por Outra, de Tardieu. "Éramos dez. Só conseguimos comprar as passagens de ônibus para vir. Os primeiros dias foram muito difíceis. Aí aconteceu uma coisa incrível: três grupos de teatro de rua, de Mato Grosso, do Rio e de Santa Catarina, passaram o chapéu após suas apresentações e nos deram o dinheiro arrecadado para comprar as passagens de volta." A experiência deu força ao grupo. Este ano, eles já contam com a ajuda da prefeitura de Garanhuns. Agora são apenas quatro, mas vieram de avião e estão hospedados num hotel. Desta vez, a imprensa também compareceu à peça. As críticas não foram positivas. "Mas isso nos ajudou mais ainda", garante Lilian. "Lá, em Garanhuns, a peça fez sucesso. Se tivéssemos ficado apenas lá, a gente ia achar que tudo estava bem. A gente aprende muito com o erro", afirma sabiamente Rodrigues. Depois de Curitiba e São Paulo, Campinas é a cidade que mais tem atores no Fringe: 76 atores de sete grupos que apresentam nove espetáculos. Não é mera coincidência. Eles conseguiram trabalham vinculados à Universidade de Campinas (Unicamp), instituição que os apóia em parceria com o Banespa com transporte e estadia. Assim, vieram todos juntos em dois ônibus. Um caminhão-baú trouxe os cenários de todos. Juntos, eles formam um grupo animadíssimo, que ocupa dois alojamentos - cada um com 40 camas-beliches e banheiros coletivos com três chuveiros - na Casa do Estudante Universitário (CEU) de Curitiba. Vale a pena? "Lá, em Campinas, as apresentações são sempre gratuitas e para uma platéia de estudantes universitários", conta Carlos Cantameiro, um dos produtores da maratona Campinas/Curitiba. "Para nós, estar diante de uma platéia comum de teatro é uma experiência fundamental." Bom também para o público. Afinal, a julgar pela amostragem apresentada até agora, os espetáculos de Campinas, ainda que tenham suas fragilidades, estão entre os melhores do Fringe.

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