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A viagem que nos atrai e nos deixa melancólicos

CRÍTICA: Falta, talvez, o grão de loucura que faria nossa a experiência de Kerouac

Por Luiz Zanin Oricchio - O Estado de S. Paulo
Atualização:

Na estrada o homem está em seu elemento. Ela contempla duas realidades em aparência contraditórias. A do movimento e a do repouso, porque, sim, toda viagem supõe uma volta, pontos de parada do viajante, pausas intermediárias. A viagem é também a metáfora da mudança - e isso desde a maior entre elas, a de Ulisses, na Odisseia. Mas a obra de Homero é, também, a constatação de que tudo muda, inexoravelmente, mesmo aquilo que não gostaríamos que mudasse. Há, assim, sempre um tom de melancolia na viagem realizada. Ela nos atrai por um lado e nos atira na cara a nossa irremediável finitude, por outro. Há de tudo isso um pouco na leitura que Walter Salles faz do clássico On the Road, de Jack Kerouac. Por isso, talvez, seja inútil esperar uma pegada esfuziante na longa trip de Sal Paradise, Dean Moriarty e Marylou. Há, nessa versão de cinema, um tom mais pausado, talvez reflexivo, exatamente onde se esperava mais exacerbação. Com certa razão, pois a viagem da trinca, sob a qual se escondem os nomes dos personagens reais - entre eles Kerouac e Neal Cassady - é também a viagem de uma geração de ruptura. Pré-hippie, de valorização da bebida, da droga e do sexo como vias de liberação da vida burguesa. Acontece que essa é uma condição dos 1950, revista num 2012 avesso a radicalismos. A releitura leva a marca desse mais de meio século transposto. Sexo, drogas, velocidade e... falta ainda um elemento? Sim, a música, que não é ainda o rock, mas o jazz, o bebop, com suas dissonâncias e arritmias, pontuando toda uma época. Estão todos lá, no filme de Salles, impecavelmente arranjados, da interpretação do elenco à fotografia, passando pela trilha sonora e pela concepção visual dos largos espaços. Um belo filme, ao qual falta, talvez, o grão de loucura que faria nossa a experiência de Kerouac em sua vida à beira do abismo.

BOM

 

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