A verve implacável de Helder Macedo

Verso de Camões inspira título do sexto romance do autor, o thriller psicológico ‘Tão Longo Amor, Tão Curta a Vida’

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Por Redação
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No Strand londrino, na fachada do King’s College, está afixada uma fotografia, em plano americano, de Helder Macedo. Exatamente ao lado da do britânico Thomas Hardy, o homem que escreveu  Tess of the d’Urbervilles, e não muito longe do Nobel Mario Vargas Llosa, que também lecionou no departamento de Estudos Portugueses, Espanhóis e Latino-Americanos daquela instituição. Justifica-o uma longa carreira como docente de Literatura Portuguesa, mas também uma vasta obra literária, repartida por poesia, ficção e ensaio.

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Aos 77 anos (nasceu na África do Sul em 1935), acaba de publicar o romance Tão Longo Amor, Tão Curta a Vida e mantém intacta a verve, gentil mas implacável, com que olha o desconcertado estado do mundo e sobretudo o do seu país.

“Malhas que a lusofonia tece”, dir-se-ia da vida de Helder Macedo, iniciada em Moçambique, onde o pai era funcionário da administração colonial portuguesa. No coração da província da Zambézia, viveu uma infância de sonho, em que teve como companheiros de folguedo um cão e um leãozinho. “Descobri cedo o que era a mistura de culturas. O meu professor primário era negro. As minhas primeiras leituras eram revistas infantis portuguesas como O Mosquito ou O Papagaio, mas também os livros de Monteiro Lobato, como O Sítio do Picapau Amarelo, recorda agora.

A doçura das memórias não encontrou nele pasto para a nostalgia. Nunca falou de uma África sua, nem sequer se considera um moçambicano. Pelo contrário, já em Lisboa, no princípio da idade adulta lutou politicamente ao lado dos movimentos de libertação africanos contra o inimigo comum: a serôdia ditadura colonialista de Oliveira Salazar, o que, em determinado momento, levou-o à prisão. Continuou a lutar depois de exilado na Londres dos anos 60, quando a decisão de não participar na Guerra Colonial (que a ditadura mantinha em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau) apontou-lhe a única porta de saída: o exílio. “O que não foi fácil”, diz com a brevidade daqueles a quem repugna ostentar o sofrimento como medalha.

Uma vez em Londres, Helder Macedo tornou-se colaborador da BBC e voltou ao estudo, doutorando-se com uma dissertação sobre Cesário Verde. A este, como a Camões e ao quinhentista Bernardim Ribeiro, voltaria com regularidade amorosa na sua obra ensaística, e posteriormente como docente no King’s College, onde esteve entre 1971 e a aposentadoria, em 2004.

A “causa” da lusofonia levou Helder Macedo a sair da privilegiada “Torre de Babel” universitária com muita frequência. Foi, por duas vezes, presidente da Associação Internacional de Lusitanistas. Tais responsabilidades nunca lhe travaram a criação literária. O rapaz, que aos 21 anos publicara o livro de poemas, Vesperal, recebendo um elogio do exigentíssimo Jorge de Sena, estreou na ficção em 1992 com Partes de África. “Creio hoje que o público brasileiro compreendeu muito melhor o livro do que os leitores portugueses, que, na sua maioria, ficaram perplexos com a minha falta de maniqueísmo.”

A boa receptividade das obras de Helder Macedo no Brasil começava aí e prosseguiria com os romances seguintes – Pedro e Paula, Vícios e Virtudes, Natália – e com o ensaio literário.

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Satisfeito, mas não saciado com a obra feita, Macedo olha com amargura a vida portuguesa de hoje e considera os governantes no poder “uma mistura terrível de ineficiência e má-fé”. Pelo mundo repartido desde tenra idade, nunca duvidou ser portuguesa a sua cidadania. Mesmo com modos e figura de gentleman britânico, é a partir desta circunstância identitária que olha e vive o mundo. Sem sombra de nacionalismo, mas com indesmentível brio.

O título do sexto romance de Helder Macedo é como um repto de Luís de Camões às gerações vindouras.  Tão Longo Amor, Tão Curta a Vida (tomado de empréstimo ao soneto em que o poeta canta o sacrifício de Jacob por Raquel) apresenta-se como um thriller psicológico que atravessa 20 anos de história e, pelo menos, meio mundo entre Israel e Brasil, com Berlim, Londres e Lisboa a assumir igual protagonismo no desenrolar da narrativa.

O longo amor e a curta vida em causa são de Víctor Marques da Costa, diplomata português que, colocado em Berlim Leste em plena vigência do muro e da STASI (a polícia política da RDA), será tomado de fatais amores por Lenia, uma aspirante a diva da ópera com o culto da obediência à lei e à disciplina. O romance durará apenas uns meses, deixando-o a ele sem chão, condenado, qual judeu errante, a procurá-la em todos os postos e corpos por que passou.

MARIA JOÃO MARTINS É EDITORA, ESCRITORA E PROFESSORA DE HISTÓRIA NA UNIVERSIDADE DE LISBOA

 

Debate no RioHelder Macedo participa de um debate com Gonçalo M. Tavares no dia 2 de setembro, na Livraria da Travessa do Shopping Leblon, no Rio de Janeiro, às 19 h.

 

TÃO LONGO AMOR, TÃO CURTA VIDAAutor: Helder MacedoEditora: Rocco (206 págs., R$ 29,90)

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