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A versatilidade de Antonio Carlos Secchin

Volume dedicado ao poeta e crítico resgata sua produção

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Por Redação
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Secchin: Uma Vida em Letras

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pertence a um gênero ainda pouco conhecido no Brasil pela maior parte do público não acadêmico. Trata-se da Festschrift, tradição da universidade alemã, adotada em diversos países, que consiste num volume de ensaios relativos à obra e à vida de um destacado intelectual.

Contudo, o espírito do “livro de celebração” nada tem a ver com o elogio protocolar ou com a festividade anódina. Pelo contrário, a apresentação de artigos densos é uma das marcas do gênero. Por exemplo, um texto fundamental sobre a noção de “Literatura mundial” (Weltliteratur) foi publicado na Festschrift dedicada ao comparatista Fritz Strich. Refiro-me ao ensaio de Erich Auerbach, Philologie der Weltliteratur, publicado em 1953, e ainda hoje uma reflexão incontornável acerca dos limites do conceito goetheano nas circunstâncias de um mundo globalizado.

Portanto, idealmente, o gênero da Festschrift deve conciliar a homenagem a uma destacada trajetória acadêmica com o ânimo crítico na análise da contribuição do autor estudado.

No caso da trajetória de Antonio Carlos Secchin, ademais, a fusão de vocações diversas amplia o horizonte usual do gênero da Festschrift. Afinal, os ensaios e depoimentos reunidos em Secchin: Uma Vida em Letras discutem o reconhecido poeta, o destacado crítico literário, o autor do popularíssimo Guia dos Sebos, o bibliófilo apaixonado, o exemplar professor universitário, o organizador meticuloso de um grande número de antologias poéticas, e, por fim, o membro da Academia Brasileira de Letras.

De fato, os textos e depoimentos coligidos no livro buscam dar conta da pluralidade do perfil de Antonio Carlos Secchin, confirmando a acertada escolha dos organizadores.

Por exemplo, Bendito Nunes assinala esse mesmo traço múltiplo, “a versatilidade do autor, um poeta que se fez crítico ou simplesmente um poeta-crítico, na conotação moderna desse termo”. Aliás, o primeiro ensaio crítico de Secchin, João Cabral, a Poesia do Menos, é considerado um livro de referência na interpretação da poética cabralina.

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Alfredo Bosi, comentando o volume de poesia reunida de Secchin, Todos os Ventos, afirma que o poeta soube “alcançar o nível raro da expressão singular, forte e desempenada”. Cláudio Murilo Leal caracteriza com precisão seu gesto poético: “Secchin pertence à família dos little few, econômico na linguagem (como João Cabral) e na produção (como Emílio Moura)”. Na aguda leitura de Eduardo Portella: “A intersubjetividade combina o ‘dentro’ e o ‘fora’, para se transformar em linha de força na poesia de Antonio Carlos Secchin”.

O depoimento de Marcos Pasche esclarece o alcance de sua atuação docente: “Como professor de literatura, militou pelo ideal do literário como fenômeno libertário”. Ubiratan Machado apresenta a radiografia da biblioteca do poeta-crítico: “São cerca de doze mil volumes, muitos deles autografados, raros, raríssimos, difíceis ou apenas comuns, mas indispensáveis ao estudo”.

Num país com crises constantes de amnésia cultural, o gênero da Festschrift bem poderia assumir o papel de um indispensável exercício de memória. Dimensão perfeitamente intuída nos versos de Secchin: “Sonhos de sonho de sim e dor misturada, / voragem do gozo de um não à beira-nada, / até tudo virar poeira ou monumento”.

JOÃO CÉZAR DE CASTRO ROCHA É PROFESSOR DE LITERATURA COMPARADA DA UERJ E AUTOR DE MACHADO DE ASSIS: POR UMA POÉTICA DA EMULAÇÃO

SECCHIN: UMA VIDA EM LETRASOrg.: Maria Lucia de Faria e Godofredo de Oliveira NetoEditora: UFRJ (584 págs., R$ 65)

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