A trincheira dos iranianos

Berlim premia maciçamente Nader and Simin em desagravo às arbitrariedades de regime de[br]Ahmadinejad

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

E o júri presidido por Isabella Rossellini fez direitinho sua lição de casa na premiação da Berlinale de 2011. O festival terminou no sábado à noite com a entrega dos Ursos. O de Ouro, prêmio principal, para o melhor filme, foi para Nader and Simin, A Separation, de Asghar Farhadi, do Irã. Havia um clima favorável à premiação de Nader e Simin. Afinal, a condenação de Jafar Panahi (premiado diretor iraniano, vencedor em Cannes com O Balão Branco) sob a acusação de "conspiração", pelo regime do presidente Mahmoud Ahmadinejad, repercutiu em todo o mundo e, em Berlim, desencadeou uma série de protestos.Desde a abertura, e após, durante os dez dias que durou o evento, a cadeira de Panahi, como integrante do júri, permaneceu vazia. A Berlinale promoveu uma retrospectiva da obra do diretor e debates sobre a censura no país. Tudo isso poderia ter pesado na decisão, mas seria esquecer as belíssimas qualidades cinematográficas que a obra ostenta. Farhadi já havia trazido a Berlim seu filme anterior, Procurando Elly, que era bom. Do primeiro para o segundo, a evolução é indiscutível. Ninguém, como ele, no cinema iraniano atual, enfoca os problemas da juventude em choque com o mundo. Na abertura de Nader e Simin, o casal está diante do juiz, requerendo a separação. A mulher, dadas as circunstâncias, quer abandonar o país. Que circunstâncias, pergunta o juiz? O marido resiste. Seu pai sofre de Alzheimer e ele se sente moralmente impedido de acompanhar a mulher. No desfecho, o casal volta à frente do juiz, agora à espera da decisão da filha, que vai decidir com quem ficar. O filme termina em aberto, marcado pela urgência social, mas também pela riqueza de observação e realização. Não foi por acaso que Nader e Simin somou ao Urso de Ouro de melhor filme, dois Ursos de Prata - pelo conjunto das interpretações masculinas e femininas.O próprio Farhadi manifestou-se surpreso. Após os Ursos de Prata, ele achou que seu filme havia esgotado a capacidade de premiação. Seu discurso foi simples mas belo como o filme. "O povo iraniano é paciente", ele disse, manifestando o desejo de que essa paciência seja recompensada com a libertação iminente de Jafar Panahi. O Palast quase veio abaixo com a manifestação estrondosa do público, mas Farhadi foi cobrado depois, durante a coletiva dos vencedores, por uma jornalista iraniana radicada na Alemanha. Falando em farsi, ela disse que ele deveria ter sido mais duro. Farhadi respondeu que é um cineasta, não herói. Se tivesse respondido como ela queria, poderia ter os mesmos problemas de Panahi. Ele não é covarde, mas prefere se manifestar através dos filmes. Como Farhadi, a diretora argentina Paula Markovitch quase não acreditou - e, no caso dela, era difícil de acreditar, mesmo - quando seu filme El Premio foi duplamente premiado na categoria "melhor contribuição artística". A fotografia de Wojciech Staron e a direção de arte de Barbara Enriquez podem ser boas, mas o filme não merecia um prêmio, que dirá dois. O júri deve ter-se deixado seduzir pelo tema político (os anos de chumbo da ditadura militar na Argentina) e talvez pela relação familiar (mãe/filha), já que a presidente Isabella Rossellini aproveita toda oportunidade para falar de seus filhos - e seus pais, o grande diretor Roberto Rossellini e a grande atriz, grande estrela de Hollywood, Ingrid Bergman.Ousadia. Dois filmes alemães foram recompensados - merecidamente. Pode ser que o prêmio de direção para Sleeping Sickness, de Ulrich Kohler, tenha sido excessivo, mas o filme é bom. A muitos críticos fez lembrar o cinema do tailandês Apichatpong Weerasethakul. A história passa-se em Camarões, na África, e o autor trata de temas caros a "Joe" - como Apichatpong é conhecido: o mistério da selva, a reencarnação. O Prêmio Alfred Bauer, que recompensa um filme particularmente ousado, foi para If Not Us Who, de Andres Veiel, sobre os anos de chumbo na Alemanha (e a origem do grupo terrorista Baader Meinhof). Obra forte, mais até pelo contexto e pelos personagens. Havia, de parte da crítica, uma polarização entre dois filmes, o de Asghar Farhadi e O Cavalo de Turim, do húngaro Béla Tarr. Em certo sentido, o filme de Tarr foi o grande acontecimento artístico da Berlinale de 2011. A maneira de trabalhar o tempo, o rigor da realização, quase desprovida de diálogos, as conotações bíblicas, tudo faz de O Cavalo de Turim (na verdade, uma égua) uma experiência fascinante. Na sexta-feira à tarde, Béla Tarr havia recebido o prêmio da crítica. Ele pareceu irritado ao receber o Urso de Prata do grande prêmio do júri. Nem fez o tradicional discurso de agradecimento. Na coletiva, explicou-se. É um homem de cinema, da imagem. Não confia nas palavras. E anunciou - com O Cavalo, ele considera sua obra concluída e está desistindo do cinema.Ao contrário do que disse a presidente de júri - decerto para realçar como foi difícil sua tarefa -, a de 2011 não foi uma grande Berlinale. Foram exibidos grandes filmes e outros bons, mas a maioria da seleção foi constituída por obras medianas e até menos do que isso. As seções paralelas (Panorama, Forum, etc.) tiveram mais consistência. A Berlinale sempre privilegiou temas. Vários filmes abordaram questões familiares, The Forgiveness of Blood, de Joshua Marston, premiado pelo roteiro, narra história semelhante à de Abril Despedaçado, de Walter Salles, ambientada na Albânia, como era, originalmente, o livro de Ismail Kadaré adaptado pelo diretor brasileiro. Família, casais, engajamento político.O grande tema de 2011, porém, foi outro, o tempo. Os autores ora o comprimiram ou estenderam. E houve preferência pelos finais abertos. Muitos filmes, a maioria, não teve propriamente fim, deixando ao espectador a tarefa de completar o que os diretores estavam querendo dizer.PRINCIPAIS PREMIADOSFilmeNader and Simin, A Separation, de Asghar FarhadiDiretorUlrich Kohler, por Sleeping SicknessAtrizTodo o elenco feminino de Nader and SiminAtorTodo o elenco masculino de Nader and SiminPrêmio especial do júriO Cavalo de Turim, de Béla TarrRoteiroThe Forgiveness of Blood, de Joshua MarstonCurta-metragemParanmanjang, de Parking Chance (Coreia)Contribuição artísticaEl Prêmio, da diretora argentina Paula Markovitch

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