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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

A trajetória de um antivacina

Paulinho foi um bebê desconfiado e teve pesadelos com Zé Gotinha, mas virou uma celebridade virtual enquanto cientistas tentam vacinar a humanidade

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Por Gilberto Amendola
Atualização:

Paulinho foi concebido em uma tarde fria de domingo. Entre os seus pares, ninguém botava fé que ele seria o primeiro espermatozoide a cruzar a linha de chegada. Não por ser pior do que os outros, mas por não acreditar naquilo que chamava de “mentiras da fecundação”.

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Quando chegou o dia, decidiu que iria provar para todo mundo que o óvulo era plano e que as trompas de falópio não passavam de uma armadilha comunista. 

Ao nascer, foi do Paulinho o choro mais estridente do hospital. Ele logo cismou com o tal teste do pezinho – que, segundo ele, era uma maneira do governo implantar um chip entre os dedos do pé de cada recém-nascido. De fato, na adolescência, Paulinho confundiu a coceira causada por uma frieira com impulsos eletromagnéticos provocados pelo tal chip imaginário. 

Aquele cabeção branco e sorridente do Zé Gotinhadisparou algum gatilho na cabecinha do Paulinho Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Mas vamos com calma. Antes da adolescência chegar, Paulinho foi um bebê desconfiado. Não se deixou amamentar por muito tempo pois achava que o leite materno era uma imposição da mídia globalista. Quando começou a comer papinha, jogava sempre a primeira colherzinha no chão – com a intenção de fazer o cachorro da família experimentar primeiro (acreditava que alguém na casa dele estava querendo envenená-lo). 

Na escola, fazia questão de revistar a lancheira de todos os colegas para certificar-se que nenhum deles trazia um gravador escondido. Nas aulas, foi desde muito cedo um adepto da escola sem partido, escola sem arte, escola sem história, geografia e até matemática. O ideal escolar de Paulinho era uma turma em silêncio. Afinal, não havia nada para ser ensinado. E também não queria ser um fantoche doutrinado por um professor barbudo treinado em Cuba. 

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O acontecimento mais marcante na vida de Paulinho se deu em um dia de vacinação contra a poliomielite. Suas tentativas de fuga, seu chororô ardido, as ameaças de processo ou de levar o caso ao STF não fizeram seus familiares se renderem. 

Ao chegar sua vez, o pai pediu para que ele abrisse a boquinha (apertando levemente suas bochechas) e engolisse as gotinhas salvadoras. A situação ficou dramática quando um personagem conhecido como Zé Gotinha surgiu naquele contexto. Aquele cabeção branco e sorridente disparou algum gatilho na cabecinha do Paulinho. 

Nunca uma criança fez tanto escândalo. O Zé Gotinha assombrou o Paulinho por muitos anos. Ele teve pesadelos com a figura até a idade adulta – quando começou a escrever longas cartas para os jornais denunciando o Zé Gotinha como responsável por todos os males do Brasil (de queda do PIB às derrotas da seleção brasileira). 

As teorias conspiratórias que habitavam a cabeça de Paulinho nunca permitiram que ele tivesse, por exemplo, uma namorada. Ele considerava qualquer mulher que se aproximava dele uma potencial espiã russa, uma pessoa que estaria se infiltrando em sua vida para descobrir segredos de Estado (segredos que ele nunca soube, mas, por via das dúvidas, preferia ficar sozinho). 

Viveu da renda dos pais até descobrir que poderia ganhar dinheiro na internet com suas opiniões extravagantes. Não demorou, viu-se cercado por um séquito de seguidores apaixonados. Transformou-se em uma celebridade virtual.

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Hoje, com as pesquisas sobre uma vacina contra a covid-19 avançando, Paulinho foi aumentando o tom de seus discursos. Diz que vai lutar pela direito de qualquer indivíduo não se submeter a vacina chinesa, inglesa, alemã, belga ou jamaicana. 

Paulinho quer montar barricadas contra uma vacina que pode salvar a humanidade de uma de suas piores crises. Paulinho quer ser o mártir da burrice. Paulinho quer que suas frustrações guiem uma nação. Paulinho tem devaneios de grandeza. Paulinho quer se vingar da mãe, do pai e do Zé Gotinha. 

Paulinho nem era para ter nascido. 

Mas, logo mais, quem sabe, Paulinho não se mude para Brasília. 

Talvez um ministério lhe caia bem.

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Paulinho aguarda o convite. 

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