
30 de março de 2014 | 02h11
*
Imaginei uma variação da cena em que Cinna se identifica, não como um poeta, mas como um humorista. O grupo não acredita, e desafia Cinna a provar que é o que diz. Cinna hesita.
- Sim, bem, hmm, deixa ver...
- Matem-no!
- Calma! Deixem eu pensar. Hmmm. Sim. Lá vai.
E Cinna começa a declamar.
- Eu sou Cinna, de Siena, em cena
porque esta é a cena do Cinna
que preferia ser Cinna lá em
cima, em Siena
do que Cinna em cena e sem rima.
Mas até quando, em Siena, se encena
esta cena com o pobre do Cinna
ele morre no fim, é uma pena
por absoluta falta de clima.
E assim cai em cena o de Siena
pois a cena do Cinna ensina
que ele morre em Siena ou em cena
porque esta é a sina do Cinna.
*
Todos se entreolham. Ouve-se uma risada. Depois outra. "Razoável", diz alguém. Cinna se entusiasma.
- Vocês conhecem a história da mulher do Brutus? Todos sabem que a mulher de César precisa ficar acima de qualquer suspeita, e não apenas ser virtuosa, mas parecer virtuosa. Já com a mulher do Brutus é diferente: ela tem um fraco por homens mal-encarados. Gosta de ficar embaixo de qualquer suspeito. Hein? Hein?
Há mais risadas. Estou agradando, pensa Cinna. Talvez até me salve! Ele continua:
- Dizem que a mulher do Brutus recebe tantos homens na sua cama que quando o próprio marido a procura, ela diz "Até tu, Brutus?!".
Mais risadas. Cinna levanta os braços e diz:
- Acabou, gente. Foi ótimo, mas tenho que ir. Vocês foram uma ótima plateia. Os que me emprestaram seus ouvidos os receberão de volta pelo correio. Mas sem os brincos. Rá rá. Tchau, hein turma?
Mas alguém grita:
- Matem-no!
Cinna é agarrado.
- O que é isto? Eu não provei que era humorista?
- Provou.
- Então por que vão me matar?
- Por fazer humor numa hora destas!
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