A semelhança entre as diferenças

Christiane Jatahy apresenta a terceira fase do projeto 'Utopia.Doc', um diálogo sobre o desejo de mudanças

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Por Ubiratan Brasil
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A fascinante viagem artística empreendida pela diretora Christiane Jatahy em busca do melhor entendimento da alma humana chega à sua terceira fase. A instalação visual Utopia.Doc abre hoje no Sesc Santo Amaro com 11 monitores exibindo encontros inusitados: atendendo a pedido da diretora, pessoas de diversas nacionalidades que vivem em São Paulo escreveram cartas narrando sobre sua visão de utopia. Christiane, então, promoveu a troca dos textos e depois filmou o encontro daqueles cidadãos."A conclusão continua a mesma: como pessoas muito diferentes têm, na verdade, muitas semelhanças", conta ela, que promoveu, por exemplo, a amizade entre um inglês e um africano, colonizador e colonizado. Ou de dois refugiados políticos, um do Congo, há dois meses em São Paulo, e uma colombiana, que vive aqui há 11. Utopia.Doc começou a ser rascunhado em Londres, no ano passado, quando 15 moradores da cidade interagiram com 30 artistas brasileiros. Passou por Paris até chegar a Frankfurt, onde foi apresentado em outubro, durante a Feira do Livro. Lá, aconteceu a segunda etapa, quando Christiane também convocou moradores locais a escreverem uma carta de cunho pessoal sobre a própria trajetória. Alguns textos foram encaminhados para autores brasileiros que estavam em Frankfurt. Inspirados pelo conteúdo, eles desenvolveram um novo trabalho. Depois, aconteceram os encontros, também filmados e igualmente emocionantes. "Eu recebi a carta de um estudante de arquitetura falando da sua história de vida, suas dificuldades, a experiência de ser e sentir-se estrangeiro", conta a escritora Carola Saavedra. "Além da carta, sabia que ele morava e estudava na mesma cidade onde eu estudei, em Mainz. A partir daquelas informações, escrevi um texto, que é de certa forma uma reconstrução literária do que me pareceu a essência daquela carta: a sensação de não ter controle da própria vida e a necessidade de construir algo ele mesmo, assumir esse controle - mesmo que ilusório." E ela continua: "A arquitetura. Ao entrar na casa dele e ler meu texto em voz alta, me senti de certa forma invadindo a vida, a privacidade de alguém, e, ao mesmo tempo, a sensação de entrar no espaço do leitor - neste caso, um leitor-personagem - e poder vivenciar aquele momento inacessível, quando alguém lê/ouve o seu texto, se identifica e reage às suas palavras. Foi muito bonito e emocionante".Também tocante e até mesmo inquietante e aflitiva foi a experiência de Joca Reiners Terron. "Recebi a carta do imigrante à qual deveria responder somente dois dias antes da gravação. Eu estava com jet lag, cansado e ansioso", relembra. "Para complicar, meu correspondente era de uma região da Índia da qual eu tinha pouquíssimo conhecimento, Kerala. Mas me virei. Minha carta precisou ser traduzida ao alemão às pressas." Joca ainda se lembra: "Na casa do Roy Jacob Tharakan, um doutorando em filosofia que mora há mais de 30 anos na Alemanha, a coisa ficou mais relaxada. O cara tinha uma espécie de déficit de atenção e só queria tirar foto de tudo, mas principalmente das atrizes, que, como parte da performance, prepararam uma feijoada vegetariana. Daí, eu li a carta que escrevi em português para ele, que acompanhou a tradução impressa. No texto, falo de um possível retorno às origens através da culinária materna. Acho que no final, ele se sentiu tocado, e atingi meu objetivo. Isso fica bem evidente no filme."

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