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A sala de espelhos de Moore, em <i>Grandes Clássicos da DC</i>

Autor transforma super-heróis no reflexo da vida de qualquer um

Por Agencia Estado
Atualização:

Ler Grandes Clássicos da DC n. 9 de Alan Moore (Panini, 303 páginas, R$ 36,90) é como visitar uma sala de espelhos. Da mais pura esperança ao mais perturbador desespero, o leitor vai reconhecer a si mesmo em clássicos personagens como Super-Homem e Batman além de outros menos lembrados, como Vigilante e Vingador Fantasma. Nas mãos do escritor inglês Alan Moore os heróis da DC foram além da sua condição ?estampa de pijama? e se transformaram no reflexo da vida de qualquer um. Entre absurdos, incoerências, decisões, breves e preciosos momentos de felicidade, Moore evoca a cumplicidade do seu leitor. Numa cuidadosa narrativa, sabe bem como usar o que tem à disposição: algumas das maiores forças culturais do século XX, os super-heróis. Editadas em um volume encadernado, as 13 histórias escritas entre 1985 e 1988 fizeram de seu autor o que ele é hoje, um ídolo entre os leitores de quadrinhos, conhecido tanto por sua excentricidade quanto pela incomparável criatividade. Nunca é demais lembrar, ele é o autor de Watchmen e V de Vingança; elevou alguns heróis da condição de coadjuvantes ao status de símbolos da consciência, como o Monstro do Pântano. Além disso, definiu (em detalhes) a verdadeira natureza do antagonismo de Batman e Coringa, história que encerra com chave de ouro a edição da Panini. ?É claro que o universo ao redor de Alan é o mesmo universo que eu e você também compartilhamos, mas não percebemos os mesmo detalhes que ele?, diz o desenhista Dave Gibbons na introdução de Grandes Clássicos. ?Não escutamos os acordes ressonantes que ele escuta. Não reparamos nas conexões que ele nos faz ver. Em maior ou menor grau, tomamos as coisas como comuns, passamos por elas, vemos o que esperamos ver. Mas não Alan.? Significado do herói Na história Para o homem que tem tudo, Alan Moore fez do Super-Homem alguém bem menos indestrutível do que a maioria das pessoas fica tranqüila em imaginar. Vítima do astuto vilão Mongul, Kal-El (ou Clark Kent) fica aprisionado em seus sonhos mais íntimos. O meio para isso: um parasita que imobiliza completamente sua vítima, mas que em compensação a mergulha no seu desejo mais intenso. Alegoria simplista, até ridícula, só possível nos quadrinhos ou cinema. O que é importante aqui é o significado para o herói. Para o último sobrevivente do planeta Krypton o maior dos desejos é não ficar sozinho, viver em seu planeta natal, casar-se, ter filhos. Simples. Vívido. Comum. Real. Moore sabe que o leitor conhece bem o símbolo que Super-Homem representa. Um sujeito que dedica sua vida a proteger a humanidade de todo mal de forma incansável. Mas Moore traz à tona o ?homem? por trás do herói. Super-Homem não pratica o bem por ser algo socialmente aceito e valorizado, mas simplesmente porque ele tem medo de estar definitivamente sozinho no universo. Coisa de horas de divã. Aliás, como colocar em termos as próprias incoerências, definir o que é certo ou errado? Quando ?insanidade? vira sinônimo de ?mal?? É o centro de A Piada Mortal, história que narra o derradeiro confronto de Batman e Coringa. Ávido por provar seu ponto de vista para o herói, o Coringa provoca a raiva de seu algoz de maneira engenhosa e absurda. Atira na Batgirl deixando-a paraplégica, seqüestra o pai dela, o comissário Gordon, e o obriga ver fotos da filha nua, em agonia. O bizarro plano do Coringa serve como uma demonstração de que certo e errado são meros pontos de vista. Totalmente perturbador, Batman é obrigado a caminhar numa sala de espelhos dando-se conta de que é apenas um reflexo de seu antagonista. A diferença é simplesmente seu verniz de equilíbrio e moderação. O que separa uma pessoa normal da insana, segundo Moore, é apenas um dia ruim. Basta uma boa piada para se dar conta disso. Encarar a si mesmo e a realidade sempre foi a marca da obra de Alan Moore. Não é um tratado de filosofia, política ou psicologia, são histórias em quadrinhos. O preço da obra de Alan Moore é o despertar da própria consciência, e isso da maneira mais sutil que se poderia pensar. A sala de espelhos em que coloca o leitor o leva onde raríssimas vezes se tem a chance de chegar. Você pode se esquecer ao fechar a revista, mas, como um sonho recorrente, ela sempre vai estar à espreita ao se deitar.

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