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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

A regra dos cinco segundos

Diz a sabedoria popular que se eu recuperar os Cebolitos em até cinco segundos, serei mais veloz do que as bactérias sonolentas do meu chão

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Por Gilberto Amendola
Atualização:

Na minha casa, depois da última reunião, desligo o computador e vou para o sofá. Controle remoto na mão, meio segundo para cada canal, serviços de streaming e plataformas digitais em geral. Nada me comove. 

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Comida, talvez. Abro um salgadinho. Rasgo o pacote. Perco metade dos Cebolitos. Devo recuperá-los? Quanto tempo um salgadinho pode ficar no chão até se tornar inadequado ao consumo? 

Pelo celular, faço uma rápida pesquisa no Google. Esse parece ser um dos grandes temas da humanidade. Diz a sabedoria popular que se eu recuperar os Cebolitos em até cinco segundos, serei mais veloz do que as bactérias sonolentas do meu chão. 

A chamada regra dos cinco segundos ainda é bastante popular. Ouço isso desde criança. Uma fake news clássica – que deve estar na origem de todos os problemas modernos. A pessoa começa comendo os Cebolitos que caíram no chão e termina acreditando que a Terra é plana. Pior, o sujeito come os salgadinhos do chão e se transforma, automaticamente, em um antivacina.

Penso em fazer um Twitter sobre o assunto. Se eu não postei, não aconteceu. Quero dividir com o mundo que a “regra dos cinco segundos” foi a responsável pelo Trump, pelo Brexit e pela eleição do Bolsonaro. 

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Mas meu impulso tuiteiro não dura outros 5 segundos. Fico com preguiça de abrir a “caixa de Pandora” para mais um debate sanguíneo. Algum infectologista pode me contestar. Serei acusado de elitista? Cebolitos com poeira é uma delícia? Vou quebrar a internet. Mas nada disso me comove também. 

Recolho os salgadinhos no chão. As formigas, que estavam em marcha, pararam repentinamente. Uma formiguinha distraída atropela as companheiras da fila – criando uma certa aglomeração. 

Me sinto em um desenho da Disney. Mas isso também não me comove.

Esmago as formiguinhas com o dedão. Paciência. Um pernilongo entra pela janela. Penso em ataques coordenados.

Tem uma mensagem do trabalho no meu WhatsApp. Abro o computador de novo. As vacinas serão vendidas em clínicas particulares. Vou ler outra vez: clínicas particulares negociam a compra de vacinas contra a covid. Só mais uma vez: clínicas particulares negociam 5 milhões de doses da vacina da Índia.

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Também li todos os desmentidos, ponderações e os tais “não é bem assim” de sempre. 

Sei... Você também sabe o que vai acontecer, não é? 

– Quer pagar quanto? – perguntava o garoto-propaganda, sem nunca me deixar responder.

– Quero pagar nada! – falo sozinho (aliás, tenho falado muito sozinho e resmungado, o tempo inteiro, comigo mesmo). 

Eu devia ter comido os Cebolitos que caíram no chão.

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É REPÓRTER DO ‘ESTADÃO’ E OBSERVADOR DA VIDA URBANA

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