A Perestroika na visão de 5 amigos

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Por Stephen Holden
Atualização:

"Eu era como todo mundo, completamente satisfeita com minha maravilhosa realidade soviética", afirma Lyuba Meyerson, uma professora com pouco mais de 40 anos, lembrando sua infância no fascinante documentário Minha Perestroika, de Robin Hessman. Criada em Moscou nos anos 70, antes do colapso da União Soviética, Lyuba era uma menina boazinha que, quando o hino nacional era tocado na TV, fazia a saudação. As notícias de problemas sociais nos EUA só reforçavam sua certeza de que ela vivia no "país da infância feliz".Uma cena de 1977 que mostra uma gigantesca festa em homenagem a Brejnev, na qual as crianças declamam frases de propaganda, faz lembrar comícios semelhantes na Coreia do Norte.Lyuba e o marido Borya integram o grupo de cinco amigos de infância cujas vivências, projetos, frustrações na União Soviética são acompanhadas pelo filme. De suas experiências é formado um retrato da antiga URSS e um painel das várias mudanças políticas ocorridas na Rússia contemporânea.O trabalho, dirigido por Robin Hessman, uma americana que morou em Moscou de 1991 a 1999, onde produziu Ulitsa Sezam, a Vila Sésamo russa, é uma montagem de filmes caseiros, trechos de noticiário e vídeos dos cinco personagens, hoje adultos. Não há listas cansativas de acontecimentos soviéticos, apenas experiências sem retoques. Olga Durikova é mãe solteira, mora com o filho, a irmã e o sobrinho no apartamento da sua infância e trabalha em uma empresa de mesas de bilhar. Ela tem certa nostalgia pelo comunismo, porque naquele tempo "a vida era menos estressante". Ruslan Stupin é um músico rebelde que toca nos metrôs de Moscou. O mais bem-sucedido dos cinco, Andrei Yevgrafov, tem uma cadeia de lojas e mora num luxuoso condomínio.Para os cinco, a mudança de uma sociedade para outra foi tão profunda que eles não conseguem explicar aos filhos como era a vida no comunismo. Quando o regime morreu, a dificuldade de encontrar uma nova ideologia gerou modas, como a dos tratamentos hipnóticos e um surto de religiosidade.O último suspiro do império, a tentativa de golpe da linha dura da velha guarda, em agosto de 1991, é lembrada com certo cinismo. As massas de manifestantes, diz Yevgrafov, protestavam mais contra a escassez de alimentos do que contra a ameaça do retorno do comunismo.Ao assistir a Minha Perestroika, vê-se semelhanças entre a propaganda antiamericana da ex-URSS e termos como "império do mal" usados pelos EUA. A suscetibilidade à paranoia parece um fenômeno universal. As crianças russas também foram ensinadas, como suas colegas americanas, que seu governo só quer a paz; o outro lado é sempre o perigoso agressor. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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