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A nostalgia de uma guerra justa em <i>Sargento Rock</i>

Quadrinhos editados sob a forma de livro narram as aventuras do Sargento Rock e da Companhia Moleza - ?a melhor unidade do Exército? - durante a 2.ª Guerra

Por Agencia Estado
Atualização:

Sob a sombra da crise o passado vira símbolo de exaltação. Ao olhar crítico, é a impressão que se tem ao ler Sargento Rock - Primeiros Combates (Opera Graphica Editora, 240 páginas, R$ 48). Lançadas na última semana, as histórias em quadrinhos editadas sob a forma de livro narram as aventuras do Sargento Rock e da Companhia Moleza - ?a melhor unidade do Exército? - durante a 2.ª Guerra Mundial. Coisa de ufanista americano da década de 40, diria um apressado. Se não fosse por um sutil detalhe: essas histórias foram publicadas entre janeiro de 1959 e julho de 1960. O Sputnik I, primeiro satélite orbital russo, havia sido lançado em 4 de outubro de 1957 e, em 59, já estava em sua terceira versão. A ?caça às bruxas? do governo americano contra os simpatizantes do comunismo havia terminado ainda em 57, com o fim do mandato do senador MacCarthy. Também em 1959, Fidel Castro, Che Guevara e seus aliados consolidaram a revolução e tomaram o poder de Fulgêncio Batista em Cuba. Um dos períodos de maior crise não-declarada da história americana parecia exigir uma reação. Sargento Rock (uma ?rocha? física e moral) era sua mais exata expressão. O herói não é como a maioria de seus colegas dos quadrinhos: não tem qualquer super-poder como o Super-Homem nem é um abastado mascarado como Batman. Suas poucas e monolíticas características se resumem a seu senso de dever e perseverança. Tão desvairado quanto impetuoso, enfrenta desmedidos ataques nazistas com ousadia de um peso-pena frente a um elefante. Metáforas à parte, aparentemente o personagem foi de fato inspirado no lutador Rocky Marciano, algo referenciado nas primeiras páginas da edição: ?Alguns homens são grandes cirurgiões... outros, grandes pintores... outros, grandes professores... mas Rock não era um bom lutador... afinal ele não sabia ficar caído?. Dizer que, no período em que Sargento Rock foi publicado, os Estados Unidos viviam um período de crise pode parecer um pouco absurdo. Afinal não havia qualquer agressão direta à sua integridade nacional em qualquer nível. Entretanto o mecanismo de equilíbrio de forças da Guerra Fria entre os blocos ocidental e soviético era definido nos termos de ?política de contenção?. Isso significava que o conflito existia de maneira indireta, os dois lados buscando manter a hegemonia política e ideológica onde pudessem. Daí os norte-americanos terem auxiliado ditaduras na África, na Indochina e na América Latina, com conseqüências conhecidas e com resultados discutíveis. Um herói como Rock - que enaltece a justeza de se travar a 2.ª Guerra Mundial, porque a luta se deu contra um mal concreto, representado nos nazistas - obedece ao sentido de valorizar as virtudes americanas quando tudo o mais parece nebuloso e ameaçador. "Vamos, lute" O Sargento Rock estimula essa lembrança a todo momento, quando repete ?vamos, lute, vamos, lute?. Ele é um personagem de ficção, mas a perseverança que beira a catarse religiosa é bem real, como prova o discurso de um tenente da Marinha no documentário ?Corações e Mentes?, de Peter Davies, sobre o Vietnã: ?Só uma coisa, uma pequena palavra permitiu que eu e meus amigos continuássemos vivos todos esses anos. Essa palavra é fé. Fé em minha família, em meu Deus e no meu país. Eu lembro do colegial e dos esportes que praticávamos e do técnico dizendo: ?Quando o jogo fica difícil, o jogador tem de ser forte. Porque vencedores não desistem, e quem desiste não ganha??. O que parece ser importante ressaltar é o significado da retórica ?heróica? americana e até onde ela vai quando toma forma política. ?Quando aparece uma série como a do Sargento Rock é a tentativa de dizer: veja o que fizemos no passado, não vamos perder a esperança. Nós somos capazes. Podemos estar em crise, mas vamos voltar?, disse Antonio Pedro Tota, professor de história contemporânea da PUC-SP e especialista em Estados Unidos. Desse modo, uma ficção como Sargento Rock serve, em momentos de crise, para lembrar que os EUA são capazes de recolocar as coisas em seus lugares, isto é, são capazes de restabelecer a hegemonia. ?É uma coisa que me faz lembrar o Superman do cinema em 1978?, recorda Tota. ?O que está acontecendo no início da década de 80? Reagan está subindo ao poder e, no filme, Superman pega a cúpula do Capitólio e a põe de volta. Naquele período, os EUA sofreram uma derrota diplomática séria no Irã. Pensando na década de 60, isso me parece o mesmo tipo de derrota simbólica que foi o lançamento do Sputnik e do cosmonauta Gagarin. A sensação era de que os comunistas estavam ganhando.? Se a crise leva a uma necessidade de enaltecer o passado - e quadrinhos parecem mostrar isso de uma forma bastante apurada -, a política externa americana atual vai ter sua validade testada. Segundo o jornal militar Army Times, apenas 35% dos soldados aprovam a condução da guerra no Iraque pelo governo Bush. Pelo jeito não há Sargento Rock que salve o imbróglio iraquiano, resultado da retórica de gibi, aparentemente tão familiar na cabeça do filho de mamãe Barbara Bush.

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