
02 de maio de 2013 | 02h09
Roberto Carlos sugere habitar um enigma artístico vivendo numa cidadela impenetrável - alheio ao tempo, aos clamores da novidade estética, ao debate ético, à política, à Justiça. Quando o cantor surge no palco do Espaço das Américas, frente a três mil fãs, nota-se que o som de sua voz está meio baixo, não muito bem equacionado em relação à orquestra. Mas parece que ninguém se atreve a avisá-lo, como se os ouvidos de Roberto fossem moucos ao clamor popular.
Quase todo o primeiro show da minitemporada que Roberto faz no Espaço das Américas, na Barra Funda, se passa nesse clima de estranha alienação natural: o público ri das quase-piadas que ele faz com seus dois patrocinadores, e se envaidece ao ouvir as mesmas histórias "íntimas" dos outros shows. Roberto sempre afugenta a tentação de improvisar. O único dado "novo" é a presença de um novíssimo hit, Esse Cara Sou Eu, coisa rara em sua carreira.
Para quem já viu o show umas três dezenas de vezes, impressiona como o espetáculo pode ser rigorosamente igual aos outros - mas também impressiona a organicidade cada vez mais obsessiva entre banda e intérprete, entre intérprete e público. Tudo parece cronometrado, e ninguém desaponta, seja no aplauso, no grande coral nos maiores sucessos, nas risadas, na aprovação. A mulher na plateia berra: "Eu te amo", e logo em seguida um homem, para risada geral: "Eu também!".
Roberto abriu com Emoções, como de hábito, e depois emendou Eu te Amo, Te Amo, Te Amo e Além do Horizonte. Contou de novo a história do cachorro que inspirou a canção O Portão. Fez seu número de galã erótico nas canções moteleiras. Mas o grande sucesso da noitada foi Esse Cara Sou Eu. A música da novela ajudou a lotar, certamente, a casa, além de levar um de seus atores, Tiago Abravanel, à tietagem no meio do publico.
Roberto parece considerar como "ruído inadequado" toda controvérsia e não admite ruído em sua sanha perfeccionista, detalhista, obsessiva - por exemplo, não dá a mínima pista de que esteja preocupado com a repercussão de mais uma tentativa judicial de proibição de um livro sobre sua vida.
Cambistas vendiam ingressos por até R$ 1,2 mil (originalmente, custavam entre R$ 150 e R$ 540), o que poderia ser útil para mostrar ao "Rei" que, mesmo de cima da torre do castelo, lá embaixo os súditos parecem ter problemas para atravessar a turva fossa que nos liga à sua fortaleza.
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