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A musa trágica de Castro Alves

Tuberculoso, o poeta Castro Alves (1847-1870) voltou para sua terra natal no interior da Bahia, e reencontrou uma amiga de infância que desenvolveu por ele um sentimento profundo

Por Agencia Estado
Atualização:

Tuberculoso, com um pé amputado e deprimido, o poeta Castro Alves (1847-1870) voltou para sua terra natal no interior da Bahia, Curralinho (cidade que hoje leva seu nome), buscando repouso e alívio para seus sofrimentos. Lá, reencontra Leonídia Fraga (1844-1927), amiga de infância que desenvolveu por ele um sentimento profundo e um tanto irreal. A história dos raros encontros do casal motivou a pesquisadora Myriam Fraga a escrever Leonídia - A Musa Infeliz do Poeta Castro Alves (Fundação Casa de Jorge Amado, 273 páginas, R$ 20), que será lançado amanhã, na Pinacoteca do Estado, em São Paulo. O poeta voltou à casa da infância por orientação médica, em 1870, quando lhe restavam alguns meses mais de vida. Tempo suficiente, porém, para uma convivência mais demorada com Leonídia, que se permitiu alimentar uma grande paixão. "Mas não acredito que esse amor tenha sido algo mais que platônico", conta Myriam, que iniciou a pesquisa há dez anos, quando apresentou uma conferência na Academia de Letras da Bahia. "O que primeiro me chamou a atenção foi a coincidência dos nossos sobrenomes. Depois, fiquei intrigada com um romance que os biógrafos de Castro Alves só mencionam de forma ligeira." A presença da mulher, entretanto, deixou marcas profundas. O poeta havia recém-terminado seu romance com a atriz portuguesa Eugênia Câmara e o carinho de Leonídia foi reconfortante. "Creio que o mais provável é que o poeta tenha alimentado com atenções e poemas a devoção da mulher", comenta Myriam, que localizou na obra de Castro Alves versos inspirados na amiga. Como em Anjos da Meia-Noite - 7ª Sombra: "Certo... serias tu, donzela casta,/ Quem me tomasse em meio do Calvário/ A cruz da angústia, que o meu ser arrasta!..." Há fortes referências também em O Hóspede e Fé, Esperança e Caridade, sugestivo título que retratava uma situação. E, segundo o escritor e estudioso Afrânio Peixoto, o poeta dedicou-lhe ainda Os Perfumes. Aos 23 anos, Castro Alves era um homem bonito e famoso e apesar da saúde precária, era muito cortejado pelas moças. Por sua condição de mulher interiorana, Leonídia não teve coragem de revelar seu amor, contentando-se com a rara convivência com o poeta. Castro Alves acabou voltando para Salvador, onde morreu. Leonídia casou-se com outro, mas logo se separou - seguiu acreditando em uma paixão que lhe marcou a existência. Aos poucos, foi se afastando da realidade e mergulhando em um sonho. "Morta a esperança, resta a alienação, morte em vida", observa Edinha Diniz, que escreveu o texto de apresentação do livro. Em 1913, foi internada no Hospício São João de Deus, em Salvador. Na ficha de inscrição, escreveu que foi forçada a se separar do marido porque era noiva do poeta Castro Alves. Carregava uma trouxinha com poemas manuscritos, receitas de doces preferidos do poeta e um caderno em que anotava seus delirantes pensamentos. Leonídia Fraga viveu naquele hospício durante 14 anos, até sua morte, segundo consta, agarrada à trouxinha. "Foi a densidade dessa figura trágica que me cativou", conta Myriam, que retomou o assunto há três anos, quando descobriu que os documentos do hospício estavam em ordem e bem guardados no Arquivo Público do Estado da Bahia. A pesquisadora conseguiu o valioso testemunho de Raimundo Nonato de Almeida Gouveia, médico e biógrafo de Castro Alves, que acompanhou os últimos anos de Leonídia. Conversaram durante três horas, em 1998, quando ele forneceu mais detalhes sobre a musa do poeta. A entrevista está reproduzida no fim do volume. Serviço - "Leonídia - A Musa Infeliz do Poeta Castro Alves". De Myriam Fraga. Editora: Fundação Casa de Jorge Amado. 273 páginas. R$ 20,00. Lançamento amanhã, das 13 horas às 17 horas. Pinacoteca de São Paulo. Praça da Luz, 2, em São Paulo, tel. (11) 229-9844.

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