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A literatura não encontrou seu caminho digital

Por Agencia Estado
Atualização:

A literatura digital ainda vive uma crise de múltipla identidade. Há de tudo, em todos os formatos. No entanto, embora a Internet tenha nascido de uma rede de troca de informações escritas, ainda não foram criados nem programas nem formas literárias que respondam às especificidades do meio digital, de modo a tornar a literatura relevante do ponto de vista artístico e mesmo social. Nesse tempo, a música e o vídeo, embora ocupem muito mais bytes, aprenderam a navegar em altíssima velocidade no novo espaço. Formatos como o Mpeg ou o MP3 são infinitamente mais eficientes para o reconhecimento artístico de imagens em movimento e sons, respectivamente, do que qualquer um já inventado para o texto. Tome-se o exemplo gratuito do best seller Stephen King (www.stephenking.com). Na sua página, é possível baixar capítulos do livro The Plant em três formatos diferentes: Html, TXT e PDF. O primeiro se parece com uma página da Internet normal; o segundo é um arquivo de texto simples, que pode ser aberto em qualquer editor de texto; o terceiro imita muito bem um livro, mas a tela do computador revela-se menos confortável que o papel, e a melhor saída é imprimi-lo - retornando o livro à sua forma tradicional. No site da Biblioteca Nacional (www.bn.br) é possível fazer download de uma centena de peças literárias brasileiras. Há de livros clássicos de Machado de Assis e Lima Barreto, entre tantos outros, a obras de referência também já clássicas, como História da Literatura Brasileira, de José Veríssimo. Para um apaixonado pelo texto escrito, é prático e baratíssimo. Mas o formato escolhido também não consegue concorrer com o livro. No caso da BN, o programa escolhido é o Word, bom também para editar textos, mas nem tanto para lê-los. Também não é prático: exige o uso de um descompactador de arquivos para ser aberto. No campo da produção digital, há, no entanto, uma velha novidade, que é o hipertexto. Essa nova forma de expressão literária permite que o internauta, clicando sobre uma palavra, encontre um novo texto. Funciona muito bem no formato Html, nem tanto no Word e não serve ao PDF, que é a mais fiel cópia da diagramação em papel. Um exemplo dessa forma pode ser encontrado no site www.quattro.com.br/tristessa. O problema é que o hipertexto se assemelha demais ao pensamento, com o agravante de que o pensamento não se prende nem à imposição do autor, que estabelece ele mesmo os links, nem à palavra estrita do texto. É a experiência anterior do leitor que cria seu repertório de "hipertextos" - que pode, por exemplo, fazê-lo pensar na queda do Concorde (avião) depois de ler a palavra tóxico. O autor do texto também pode ter tido essa idéia e criado um link, mas a possibilidade é remotíssima. Assim, qualquer narrativa que tente imitar o pensamento será sempre decepcionante. Há quem defenda que obras como O Jogo da Amarelinha, de Cortázar, e o I-Ching já são obras hipertextuais. Talvez, mas hipertextos criados com um limite claro. E talvez seja esse o problema: as revistas semanais usam o hipertexto melhor que a própria Internet. Enquanto não se souber muito bem os limites da rede, enquanto ainda se acreditar que ela é capaz de tudo substituir, ler na tela ou mesmo num e-book será uma decepção. O que parece incrível, pois o texto era, até o advento da Internet, a forma de expressão artística que se acreditava menos dependente do suporte.

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