A leveza astral de Jeneci

Com CD próprio e presente em vários outros de 2010, ele sintetiza a nova Pauliceia

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Por Lauro Lisboa Garcia
Atualização:

Para quem se impressiona com datas redondas, 2010 é significativo para fechar o círculo em torno de uma tendência. Há décadas ofuscada pelas ondas vindas da Bahia e de Pernambuco, além do Norte, São Paulo vem se firmando nos últimos anos como o grande centro criativo da música brasileira. Em 2010, com lançamentos de peso na cena "alternativa", a cidade enfim foi reconhecida como o polo produtivo mais representativo da década.Não só por paulistanos, mas também pelos imigrantes vindos de toda parte, como os pernambucanos da Nação Zumbi e do Mombojó, e os cearenses Yuri Kalil e Fernando Catatau (do Cidadão Instigado), as baianas Márcia Castro e Karina Buhr (esta mais identificada com Recife). Em movimento inverso, mas também caracterizados pela agregação de seus pares criativos, os paulistanos Chico Pinheiro e Cibelle expandem seu alcance para fora do País com ótimos álbuns.A vocação cosmopolita e transformadora da cidade, obviamente, está longe de ser novidade. Basta lembrar movimentos como a jovem guarda e a Tropicália, além dos históricos festivais de música popular brasileira, deflagrados aqui na década de 1960. O baiano Tom Zé, o maranhense Zeca Baleiro, as mineiras Wanderléa e Maria Alcina, o paraibano Chico César, entre outros, se estabeleceram aqui e trocam impressões com nativos da Pauliceia, como Arnaldo Antunes, Curumin, Luiz Tatit, Tatá Aeroplano, Edgar Scandurra, Leo Cavalcanti, Tulipa Ruiz, Beto Villares, Marcelo Jeneci.Novos palcos. Além dos palcos históricos do Sesc Pompeia, a noite paulistana ganhou novos espaços, principalmente no chamado Baixo Augusta, que vêm criando condições atraentes para se expor as novidades, contribuindo na formação de público para isso. Tanto é certas bandas e artistas daqui e de fora, que fazem música pop híbrida e desencanada de regras e preconceitos, engrenaram e quase têm residência fixa nessas casas.Enfim, com esses expoentes absorvendo as mesmas influências e trabalhando em colaborações mútuas, mas com estilos distintos, criou-se um nicho criativo, sem se configurar como movimento. E Marcelo Jeneci, como Catatau e Tatá Aeroplano, está no eixo dessa engrenagem múltipla. Como instrumentista e compositor, seu nome aparece em diversos álbuns marcantes de 2010: Eu Menti pra Você (Karina Buhr), Ao Vivo Lá em Casa (Arnaldo Antunes), Vol. 2 (Andreia Dias), Herói Trancado (Ortinho), Religar (Leo Cavalcanti). Isso além de parcerias no palco com Arnaldo, Karina e Tulipa. Mas o grande lance de Jeneci foi mesmo seu álbum de estreia solo, Feito pra Acabar, um dos vários produzidos sob uma espécie de mecenato do projeto Natura Musical, da empresa de cosméticos Natura - que também lançou Bicicletas, Bolos e Outras Alegrias (Vanessa da Mata), Adobró e Diminuto (Carlinhos Brown), este com participação de Jeneci.Feito pra durar. Com 10 anos de carreira acompanhando diversos cantores/compositores, o acordeonista e pianista decidiu que era hora de ele "pilotar o próprio navio". Feito pra Acabar sintetiza uma espécie de simplificação pop, que vem das influências do iê-iê-iê reabertas por Arnaldo, e da canção popular romântica trazidas na bagagem de Catatau e Ortinho, entre outros. Ainda que permaneçam de certa forma no underground, eles não têm o peso da vanguarda paulistana dos anos 1980. Menos complexos, estão mais para hitmakers, como Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Guilherme Arantes, referências de Jeneci.Parceiro de Arnaldo, Tatit, Ortinho, Zé Miguel Wisnik e Chico César, o músico, nascido no bairro paulistano de Guaianases, foi buscar a sonoridade do disco Carlos, Erasmo (1971), recrutando para isso o produtor Arthur Verocai. Em outro aspecto, revela as influências nordestinas e as trilhas de filmes que ouvia da discoteca do pai pernambucano. Jeneci definiu seu estilo como pop astral, pela leveza. Como o "pop florestal" de Tulipa e o "pop transcendental" de Leo, essa música de vários sotaques, antes de ser definitiva, é navegadora de buscas, feita pra durar.

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