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A Ivete Sangalo de Israel quebra tabu histórico

Rita Jahanforuz gravou um disco em farsi, o idioma do Irã. E Tel-Aviv adorou

Por Roberto Nascimento
Atualização:

"Um disco na língua de Mahmoud Ahmadinejad?". Foi com espanto que os amigos de Rita Jahanforuz responderam quando a pop star revelou os planos para seu novo trabalho, My Joys, lançado este ano. Rita, uma espécie de Ivete Sangalo do Oriente Médio, há 25 anos nas paradas israelenses, decidira gravar canções tradicionais em sua língua materna, a mesma do malquisto chefe de estado iraniano. "Quis reproduzir a trilha sonora da minha juventude", conta a cantora, nascida em Teerã e radicada em Tel-Aviv desde os 8 anos. "Pensei: 'quem vai querer ouvir isso? Mas mesmo assim segui em frente", completa. Quem quis ouvir? Muita gente. My Joys, cantado em farsi, virou disco de ouro em Israel menos de um mês após ser lançado. Também tornou-se hit no Irã, uma rara instância em que um artista faz sucesso nos dois países. "Comecei a receber e-mails de Teerã. As pessoas me agradeciam por mostrar a cultura iraniana ao mundo", conta. Na capital iraniana, os discos são camuflados em capas brancas, e vendidos no mercado negro, pois a ditadura proíbe mulheres de terem carreiras. "Eles me ouvem em festas, em casamentos e nos carros. Isso é fantástico. Quando era pequena, ouvia minha mãe cantar dentro de casa. Nunca imaginei que isto pudesse acontecer", diz. O governo iraniano fez pouco caso ao descobrir que uma israelense é a sensação dos camelôs na capital. De acordo com o jornal inglês Guardian, a agência de notícia Fars, associada ao governo iraniano, alegou conspiração por parte de Israel, chamando Rita de "a mais recente estratégia em uma guerra sutil". Os e-mails sugerem o contrário. Fãs de Teerã agradecem Rita por mostrar ao mundo a música de uma cultura reprimida. Para Rita, a gratidão iraniana vai além: "Eles se sentem felizes porque estou iluminando uma cultura muito maior do que as coisas que vemos no noticiário. Estou mostrando a alma deles, o que realmente interessa. Não as bombas e as outras coisas escuras que são resultados da ditadura. As pessoas no Irã são como as de qualquer outro lugar: alegres, trabalhadoras", conta.A gênese de My Joys ocorreu em uma sessão de gravações, em 2011. Uma banda de rock marroquina acompanhava a cantora, que ficou impressionada pela forma com que, embora tocassem guitarras e baterias, os músicos veneravam a tradição musical da pátria mãe. "O respeito que eles mostravam pelas próprias raízes me fez repensar e decidir tomar um rumo diferente na minha carreira. Sempre cantei em farsi. Desde que comecei, todos os meus discos tem uma música na língua. Mas em My Joys, juntei canções da minha infância. Pedi ajuda com a pronuncia para os meus pais, O quanto My Joys é um álbum iraniano depende do idioma do ouvinte. Na impressionante voz de Rita, que aos 50 anos mostra-se em perfeita forma física e vocal nos clipes do disco disponíveis no YouTube, as canções ganham um verniz de world music popular. "O disco é bem festivo. Os meus outros têm o repertório esperado: uma balada, um andamento médio, etc... Mas My Joys tornou-se algo colorido. Me lembra as trilhas de Emir Kusturica. Ele sempre escolhe umas músicas com um que cigano. Me sinto como se eu e minha banda fossemos um bando destes ciganos". Os instrumentos que a acompanham - kamanche e duduk - são tradicionais, mas a música que fazem é projetada para as ondas de rádio. "De repente percebi que conhecemos música do Iêmen, da Rússia, de Marrocos, mas a música iraniana é pouco divulgada. Mesmo sendo a base de todas essas outras tradições", conta. A voz de Rita é tesouro nacional israelense. Por voto popular, a cantora foi eleita a mais importante da história no aniversário de 60 anos do país, em 2010. Natural de Teerã, Rita mudou-se para Israel, em 1970, aos 8 anos de idade. A família se estabeleceu nos subúrbios de Tel-Aviv, e Rita começou sua carreira musical aos 25 anos. Em 1985, emplacou sua primeira canção no rádio. Em 1999, alcançou sucesso internacional cantando em inglês. "Minha mãe tinha uma voz maravilhosa. Mas ela cantava em casa porque não podíamos fazer isto fora de casa, no Irã. Tínhamos muita música em casa. Quando fiz sucesso, foi da noite para o dia, como Cinderela. Tive o primeiro disco mais vendido de qualquer carreira em Israel", explica. E deu nisso: um mix da tradição iraniana com produção contemporânea", conta.

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