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A implosão do herói

No Batman de Christopher Nolan, o mito importa menos que o homem

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Na semana passada, antes da chacina de Aurora, no Colorado, Christopher Nolan admitia que estava sendo duro se despedir do Cavaleiro das Trevas. Desde que começou a trabalhar no projeto de Batman Begins (2005), o diretor já estabelecera o plano da trilogia que agora conclui. Ela o transformou simplesmente em um dos maiores (o maior?) diretores do cinemão. A afirmação soa a provocação. Existem outros grandes, tão grandes, e Nolan, com Steven Spielberg - em outra trilogia, a informal, composta por O Terminal, Guerra dos Mundos e Munique -, foram os únicos autores de Hollywood que colocaram na ficção, na tela, os EUA pós 11 de Setembro. E Nolan, que era um diretor - talvez - interessante, mas um tanto insatisfatório, apesar do culto a Amnésia, emergiu dos seus Batmans e de A Origem com o status de gênio, não importa quantos o contestem.Nem o Coringa maluco, da realidade, vai diminuir sua importância, embora o risco seja a chacina levar a uma leitura equivocada de O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Na 'América', a bilheteria ficou aquém do esperado, mas pode não ter sido pelo 'ruído' do barbarismo, e sim pela própria complexidade do roteiro, e da realização. Ao contrário do que sugere The Dark Knight Rises, o filme não é sobre a ressurreição do Homem-Morcego, mas sobre a sua implosão, ou destruição/superação, para que Bruce Wayne possa ressurgir (ele!) como homem. Nolan não acredita em heróis nem mitos, por mais que sejam necessários, face ao desequilíbrio do mundo. Seu porta-voz é Alfred, o mordomo, interpretado por Michael Caine, quando diz ao apático Christian Bale, do começo, que Gotham City precisa mais de Bruce Wayne que do Batman. No final, uma estátua é erigida em honra do Homem-Morcego, mas as estátuas não têm olhos e, portanto, não têm alma.O novo Batman cria um vilão, Bane, que o espectador vê desde o início. Revela outro, bem mais tarde, e esta é a surpresa do relato, no qual o espectador deve prestar toda atenção. A grande indústria aposta em filmes de entretenimento, para ser consumidos com pipoca e refrigerante. Preste atenção nos diálogos - na milionária Miranda Tate (Marion Cotillard) quando, em plena festa na mansão de Bruce Wayne, diz ao desafeto do milionário que não tem tempo para o que ele representa (nem para o poder que ele pensa que o dinheiro pode comprar). Logo em seguida, Alfred, o mordomo, tenta sacudir o torpor em que se encontra Wayne, após a morte da amada, devolvendo-o à vida. E um pouco mais tarde, o jovem policial esquentadinho, Joseph Gordon-Levitt, vai contar sua experiência no orfanato, quando, por um momento, descobriu no milionário a sua projeção (o seu alter ego?)Todas essas falas vêm embaladas em ação, e ainda há o chefe de polícia, Gary Oldman, que esculpiu uma mentira em torno de Harvey Dent, um dos vilões, com Heath Ledger, no longa anterior. Toda essa mentira, sobre a qual se assentou a instituição da Justiça, está prestes a ser destruída pelo movimento subterrâneo manipulado pelo vilão. Ele propõe uma revolução, tomar o poder (e o dinheiro) dos ricos, submetê-los aos tribunais revolucionários. Chega a colocar nas mãos do 'povo' a destruição de Gotham City, mas o verdadeiro movimento popular vem depois, quando Gordon-Levitt se desliga da polícia e também revela sua identidade para... Veja se quiser saber para quê.Há algo da discussão de Fausto em O Cavaleiro das Trevas Ressurge. O jogo de duplos, o papel da ciência, o poder - e a alma, como se percebe no fundo daquele poço. Por que chora, o que significa a lágrima do vilão, Bane? Há uma linguagem dos quadrinhos, como do blockbuster. O gênio de Nolan, e nisso ele se converteu em gênio, é usar os códigos para propor uma reflexão. Com armas ou palavras, sempre haverá quem não a assimile.

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