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A imagem do Brasil que os italianos ajudaram a construir

Por Agencia Estado
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Muitas são as nacionalidades dos viajantes que se dispuseram a atravessar o oceano e descobrir os mistérios do Novo Mundo, revelando não apenas as riquezas naturais dessas paragens, mas ajudando a construir (ou criar) uma imagem identitária para o País nascente. A contribuição dos holandeses, franceses, ingleses, alemães e até austríacos já foi investigada de maneira cuidadosa, mas, até o momento, pouco se sabia da importância dos cientistas e artistas de origem italiana para a criação dessa vasta memória visual. Essa lacuna começou a ser preenchida graças à pesquisa realizada pelos historiadores Carlos Martins e Valéria Piccoli, que gerou a surpreendente mostra "Viajantes e Naturalistas Italianos - Imagens do Brasil nos Séculos 18 e 19", em cartaz desde o dia 30 de novembro no Palazzo Santacroce, em Roma. A exposição, que reúne 50 pinturas, aquarelas, cartografias e projetos arquitetônicos cedidos por diversos colecionadores brasileiros, traz obras assinadas por 15 autores de grande importância histórica, artística e científica. "Vistos em conjunto, esses estudos revelam um certo reconhecimento do quanto o nosso próprio imaginário é povoado pelas descrições e imagens veiculadas por esses viajantes, e do quanto cada universo cultural específico contribuiu para a formação da imagem do Brasil atual", afirma Carlos Martins no texto de apresentação da exposição. Além disso, o evento - financiado pelo governo italiano - inverte uma fórmula que já está se tornando comum. Normalmente vemos instituições estrangeiras que trazem ao País um pacote fechado, com obras menores de grandes estrelas do circuito internacional. Desta vez, trata-se de uma pesquisa e um acervo brasileiros que servem para reforçar os laços culturais com a Itália, mostrando que essa relação é bem mais antiga do que se imagina. Há também planos de realizar uma versão ainda mais ampla da exposição para o público brasileiro, mas sua realização ainda depende da obtenção de patrocínio. Fluxo - Costuma-se datar o início dessa aproximação no final do século 19, quando se iniciou o grande fluxo migratório de mão de obra italiana, principalmente para São Paulo. Ou, na melhor das hipóteses, no uso do Brasil como refúgio pelos integrantes dos movimentos revolucionários das primeiras décadas dos oitocentos, procedentes da Toscana, Piemonte, Nápoles ou Gênova. Mas os primeiros contatos datam de alguns séculos antes. Américo Vespúcio já havia estado no território que se tornaria brasileiro em 1501 e 1502. O emprésário e armador Giuseppe Adorno, de Gênova, foi amigo dos padres Anchieta e Nóbrega, fundou a primeira usina de açúcar em São Vicente e teve uma participação ativa na fundação da cidade do Rio de Janeiro, conta a italiana radicada no Brasil Maria Pace Chiavari. No texto que escreveu para o catálogo da mostra, "Conquistar para Ser Conquistado?", a pesquisadora faz um interessante apanhado dessa "relação antiga e passional" entre Brasil e Itália, cuja origem está nas estreitas relações mantidas entre italianos e portugueses desde o século 13, e que foram aprofundadas com as descobertas. "No início do século 16, no auge de sua grandeza e não podendo controlar um império abarcando os três oceanos, Portugal é aberto aos estrangeiros", afirma. Há registro de italianos no País inclusive durante o fechamento das fronteiras para os estrangeiros, ao longo de três séculos. Cartógrafos e geógrafos de regiões como a Bolonha foram contratados pela coroa portuguesa para ajudar na demarcação das fronteiras entre as terras portuguesas e espanholas, pois tinham a dupla vantagem de serem católicos sem estarem aliados a nenhuma das coroas rivais. O arquiteto bolonhês Antonio Landi, um dos primeiros a estar representado em "Viajantes e Naturalistas Italianos", mudou-se para Belém em 1973, onde obteve o título de "arquiteto regio e arquiteto pensionário de Sua Majestade Fidelíssima". Além de projetar e construir uma série de prédios que ainda podem ser apreciados na capital paraense, introduzindo os princípios da arquitetura neoclássica no País, ele também realizou uma série de proezas econômicas e agrícolas. Outros que escaparam à rigorosa proibição aos estrangeiros foram os religiosos ou militares a serviço da coroa portuguesa. É o caso, por exemplo, de Carlos Julião (que nasceu em Turim em 1740 mas aportuguesou seu nome, como era costume na época). São dele as ´Figurinhas de Brancos e Negros do Rio de Janeiro´ e ´Serro do Frio´, guardadas na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Ele é dos poucos a investigarem o povo e, mesmo sem ter grande interesse etnográfico, suas figuras compõem um inventário de tipos que "fornece algumas chaves para o entendimento de aspectos fundamentais da composição de classes sociais no Brasil colônia", escreve Valéria Picolli. Visão dos Trópicos - Na opinião de Carlos Martins, um dos grandes artistas do século 19 a ser redescoberto é Joseph Léon Righini (1830-1884), que se interessa exclusivamente pelo norte e nordeste do País, captando essa paisagem com uma luz única. É dele, por exemplo, uma encantadora vista da cidade de São Luís do Maranhão, de 1863, que é, ao mesmo tempo, um importante registro histórico e uma visão particular e encantadora da densidade da natureza e do clima da região. Outros mestres representados na exposição com obras de rara beleza são Edoardo de Martino, Luigi Stallone, Alessandro Ciccarelli, e Nicolao Antonio Facchinetti. Por meio de suas pinturas é possível analisar questões importantes como a influência das escolas neoclássica e romântica na representação da natureza brasileira e, principalmente, a influência da bagagem cultural de cada um desses artistas no resultado final de suas composições. É interessante comparar a obra do neoclássico Ciccarelli (1811-1879) com a do romântico De Martino. Ciccarelli foi professor da imperatriz Teresa Cristina e posteriormente fundou a Escola de Pintura de Santiago do Chile. Como ressalta Valéria, em sua tela ´Rio de Janeiro´, de 1844, "a Baía de Guanabara adquire ares de baía napolitana, banhada por uma luz cálida de tramonto". Já De Martino - convidado pelo imperador D. Pedro II para "cobrir" a Guerra do Paraguai, procura captar na tela o instante efêmero, explorando contrastes de luz e cor e dando um tom épico às batalhas navais. Luminosidade - Stallone - de quem se conhece apenas dois quadros e uma delas tendo sido atribuída recentemente - também reserva belas surpresas para os amantes da pintura acadêmica. Nascido em Nápoles e tendo se mudado para o rio em 1843, o pintor retrata de maneira bastante particular a paisagem urbana carioca, explorando uma luminosidade intensa e os fortes contrastes de luz e sombra, fato que Martins atribui à sua origem napolitana. O céu de ´Vista da Rua Direita´, pintada em data desconhecida, adquire um tom quase púrpura, constrastando violentamente com os prédios e a calçada fortemente iluminados. Há também nesta obra a preocupação em retratar o dia-a-dia e a população da antiga capital. O genovês Facchinetti (1824-1900) parece ter sido um dos que melhor se integraram à nova terra, pintando inúmeras paisagens de fazendas do Rio e Minas Gerais com um grau de detalhismo que encantava a elite colonial - ele costumava publicar anúncios em que se apresentava como pintor da corte e divulgava sua tabela de preços com textos em português, inglês, espanhol e alemão.

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