A eterna reinvenção

Filho de um dos maiores nomes do jazz, Joshua Redman vem a São Paulo com o gás dos criadores que nunca estão satisfeitos

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Por Tonica Chagas
Atualização:

Entrevista - Joshua Redman

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Com quase 1m90 de altura, o saxofonista Joshua Redman não é baixinho. Mas ao vê-lo fora do palco muita gente acha que seria mais alto. Não é só uma ilusão ótica por causa da perspectiva que se tem da plateia. Tocando, cresce numa escala que os americanos adjetivam como "larger-than-life", fora do comum. Filho do saxofonista Dewey Redman (1931-2006), que contribuiu para alguns dos melhores trabalhos de Ornette Coleman e Keith Jarrett, com o fôlego com que prolonga o tempo musical e sua esperteza nos fraseados rápidos, Joshua também parece um exemplo clássico de talento hereditário.

Aos 42 anos, 20 de carreira, ele é o mais jovem dos três saxofonistas tenores na Sax Reunion, show de abertura do BMW Jazz Festival, no Auditório Ibirapuera, em São Paulo, dia 10 de junho. Vai compartilhar o palco com Wayne Shorter, de 78 anos, a quem considera um dos seus "heróis", e Billy Harper, de 68, que tocou com o pai dele em Nova York. Redman se apresenta num formato desafiador, o de trio com baixo e bateria. Em entrevista ao Estado, ele fala sobre a influência de seu pai, formação de público de jazz e sobre o James Farm, grupo do qual participa há dois anos. Diz também sua opinião - contrária à da maioria dos jazzistas - sobre a bossa nova.

Muita gente o compara a Dewey Redman e vê em você uma das principais características dele: um músico de vanguarda e do free jazz mas sempre ligado às estruturas tradicionais. É um caso de "tal pai, tal filho"?

Não cresci ao lado do meu pai. Meus únicos contatos com ele, na verdade, foram ouvindo os discos dele. Ele vivia em Nova York e eu cresci em Berkeley. Eu só o via quando ele ia para a minha cidade, o que era, talvez, uma vez por ano. Fui muito influenciado, mas descrever a música dele e a minha não é uma coisa em que eu seja bom.

No que ele o influenciou?

De muitas maneiras... Acho que o som dele é um dos mais bonitos sons de sax tenor na história. O calor e a alma com que ele tocava, a maneira como podia criar um poder tão grande só por meio da sonoridade... Há um profundo sentimento vindo do blues em toda a música. Meu pai também trabalhou em muitos estilos. E isso é uma coisa que eu também gosto.

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Vocês tocaram juntos, em diferentes bandas, entre 1991 e 1993, e gravaram dois discos. Como foi tocar e gravar com ele?

Foi ótimo! Uma excelente oportunidade de aprender ao lado de um mestre, de meu herói. E também uma grande oportunidade de conhecê-lo, porque eu não o conhecia realmente bem.

Entre os novos nomes, The Bad Plus, que reinterpreta de Nirvana a Stravinski e mistura de suingue a techno, é um dos que mais cativam jovens. Tocando com grupos como este, você percebe um novo público ou um estilo em formação?

O jazz está continuamente mudando e se desenvolvendo. Esta é uma forma de arte que, de certa forma, é sempre nova porque está sempre se reinventando; pela improvisação, ele está sempre fresco, vital, é sempre uma música do presente. Seria excelente que houvesse mais jovens ouvindo jazz. Demograficamente, o público típico de um show de jazz é mais velho. Mas acho que é uma questão de dar chance às pessoas de ouvirem esta música. Há certas formas de arte que requerem um pouco mais de paciência e também um pouco mais de experiência do ouvinte. O jazz com certeza é uma delas, é uma música à qual é preciso continuar se expondo, ouvindo de novo.

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Pelo que conhece de bossa nova, você a entende como jazz brasileiro?

Não sei muito para poder falar com autoridade, mas nunca a considerei assim. Bossa nova é bossa nova, uma forma de arte por si. Há uma grande relação entre ela e o jazz, sim. Alguns dos primeiros compositores da bossa foram influenciados por coisas que estavam acontecendo no jazz. Há muita sobreposição, colaborações históricas como a de Stan Getz e João Gilberto. Mas bossa é um gênero próprio. E todo músico de jazz hoje foi influenciado por ela de alguma forma em termos de harmonias, melodias e ritmos. Ela é parte da nossa linguagem.

Quais influências marcam o grupo James Farm?

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Criamos o James Farm como uma cooperativa, em vez de ser "meu" grupo ou o grupo deste ou daquele músico. Estamos muito animados com a música que estamos fazendo. Definitivamente é jazz, é improvisado. Ele vem da influência da linguagem do jazz, mas a música tem um monte de outras influências, de estilos. Em termos de grooves, climas e texturas, tem um pouco mais da sensibilidade do rock do que alguns dos outros projetos dos quais participei. E também na estrutura das músicas, na maneira com que integramos a improvisação.

No seu blog, alguém perguntou: "Por que a música em vez de advocacia?". A sua resposta foi: "Por que não?". Qual foi a razão da guinada?

Quando me mudei para Nova York, me vi de repente com a chance de tocar com alguns dos melhores músicos, tanto com alguns que eram meus heróis como também da geração mais jovem. Então percebi o quanto a música significava para mim, o quanto ela completava o desejo que eu tinha de me expressar e viver de uma maneira que eu não conseguia com outras coisas.

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