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A eterna noite dos excluídos do dramaturgo Plínio Marcos

'Dois Perdidos Numa Noite Suja' ganha nova montagem sob a direção de André Garolli, oriundo do grupo Tapa

Por Beth Néspoli
Atualização:

No cenário, apenas dois caixotes e os atores. Foto: Divulgação Isaumir Nascimento

 

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SÃO PAULO - André Garolli sem dúvida é um dos diretores brasileiros mais talentosos entre os revelados já neste início de século 21. Ator formado no Grupo Tapa, em 2003 ele iniciou com Rumo a Cardiff uma série de encenações de peças curtas de Eugene O’Neill, todas sobre a dura vida de marinheiros de último escalão, num projeto chamado Homens ao Mar, que incluiu ainda as peças Zona de Guerra e Longa Viagem de Volta para Casa.

 

Quem viu provavelmente jamais esquecerá a primeira cena de Rumo a Cardiff, na qual a utilização de um recurso simples provocava forte efeito sensorial: o público podia sentir o terror de uma tempestade no convés de um navio. O fechamento da sólida cortina corta-fogo que separa palco da plateia só deixava o espectador entrever uma fresta do tablado. Envolvido em forte sonoridade, via desde respingos de água e barris rolando até a força do vento que fazia vergar os corpos em difícil equilíbrio dos marujos. Tal cena, entre outras semelhantes, foram parar no YouTube e o diretor norte-americano Robert Falls as viu, o que valeu o convite para a Cia. Triptal, com seus 37 componentes, apresentar-se na mostra O’Neill no Século 21, em Chicago.

 

Pois Garolli agora sai do mar e se volta para um autor que cresceu no universo do cais do porto de Santos: Plínio Marcos. Nesta sexta, 12, no Sesc Vila Mariana, estreia sob sua direção Dois Perdidos Numa Noite Suja, com os atores Igor Kovalewski e Reinaldo Taunay, este último também ator da Triptal. "Talvez estejamos iniciando agora um novo projeto, Homens à Margem", diz Garolli. A ideia seria encenar na sequência Nada sobre Rouxinóis, de Tennessee Williams, e O Prisioneiro dos Olhos Verdes (título provisório), de Jean Genet. "Talvez um Koltès, tudo é ainda embrionário", diz.

 

Mas a montagem de Dois Perdidos não só já está afinada para a estreia, como percorreu antes um circuito de escolas de periferia, com apoio do Proac (programa de ação cultural do governo do Estado de São Paulo), tendo sido apresentada em sala de aula. "Fizemos questão disso. Muda totalmente a relação quando se vai até à escola e não o contrário, os alunos vêm ao teatro. Ali estamos no ambiente deles, a interação se dá de forma diferente."

 

Garolli foi convidado pelos atores para a montagem. "Eu tinha muitas dúvidas. Não entendia direito para quem fala Plínio Marcos nos dias de hoje." Na década de 60, causou impacto revelar no palco a fragilidade e o desamparo que impulsionavam atos violentos e faziam sofrer prostitutas, assaltantes, cafetões ou trabalhadores no limite da sobrevivência. Mas atualmente os chamados ‘excluídos’ estão mais que nunca sob os refletores. Ainda que nada tenha mudado substancialmente em sua condição de vida, ou subsistência, tal exposição sem dúvida altera a recepção dessa dramaturgia.

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"Penso no filme Cidade de Deus. Aquele condomínio foi criado na década de 60 para remoção de uma favela do Rio. Era preciso colocar à margem da cidade aquela população. Foram jogados ali e não se criaram as condições para uma cidadania plena. Era sobre isso que Plínio falava na década de 60, para o tráfico e o assalto como única saída de sobrevivência. Hoje existem muitos programas, como o bolsa-família, mas será que o assistencialismo estrutura as pessoas? Eu não sei. Não sei aonde isso tudo vai dar."

 

O trabalho sobre o texto mostrou que sentidos podem ser ampliados. Tonho quer trabalhar, mas ele precisa de um sapato para conseguir o emprego. Paco tem o sapato, mas usa como recurso de poder. "Há sempre algo de perverso na relação entre os personagens de Plínio. Um tem o que o outro quer, mas o outro não cede. Unidos, Paco e Tonho seriam mais fortes." Garolli fala da peça como metáfora da sociedade. Há muito dinheiro acumulado por poucos, e muita miséria. Ninguém cede. Mas o medo da violência acaba por igualar a todos. O público verá uma montagem enxuta. "Começamos de forma naturalista, tinha quarto, objetos. Agora são só dois caixotes e mais nada. Ficou mais humano, existencial. Plínio não apazigua. Coloca dois homens em circunstância extrema. O herói se supera pela transformação positiva. Tonho nesse sentido é o anti-herói. Seu destino está traçado pela condição social." E ele vai cumprir sua trajetória rumo ao abismo. Mas não vai sozinho.

 

Serviço

Dois Perdidos Numa Noite Suja. 80 min. 14 anos. Sesc Vila Mariana. Auditório (131 lugares). Rua Pelotas, 141, Vila Mariana, telefone 5080-3000. 6.ª, às 21 h; sáb., às 18 h. Ingressos de R$ 4 a R$ 16. Até 17/4. Estreia sexta,12

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