A estátua

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Por Luis Fernando Verissimo
Atualização:

Os pais do Marquinhos estavam preocupados. Depois de dois lacônicos cartões-postais ("Tudo bem" e "Je suis OK") mandados de Paris, não tinham mais notícia dele. Semanas, meses, e nenhuma notícia. Que fim levara o Marquinhos?A mãe imaginava coisas. Marquinhos preso. Marquinhos acidentado. Marquinhos desmemoriado, vagando pelas ruas de Paris. Bem que ela dissera, quando Marquinhos anunciara sua intenção de ir para Paris:- Fazer o que em Paris, meu filho?- Me dedicar à arte.- E viver de quê?- Eu me viro.O pai avisara:- Não conte com dinheiro de casa.Marquinhos repetira:- Eu me viro.A preocupação da mãe era essa. Como o Marquinhos estaria se virando em Paris? E por que não mandava notícia?A mãe tomou uma decisão. Iria a Paris procurar o filho. E foi. Só tinha uma pista para começar a busca. Num dos seus cartões-postais, Marquinhos incluíra um endereço de remetente. A mãe escrevera para o endereço várias vezes, sem resposta. Marquinhos provavelmente não estava mais lá. Mas talvez alguém se lembrasse dele no endereço. Talvez alguém tivesse uma ideia de onde encontrá-lo. Ou pelo menos onde procurá-lo. Nada. A mãe pediu ajuda ao consulado brasileiro. Fizeram um levantamento nos hospitais da cidade. Nos abrigos de indigentes. Na polícia.Nada.Nem sinal do Marquinhos.Um dia a mãe estava atravessando uma ponte sobre o Rio Sena, já sem esperança de encontrar o filho, já resignada a voltar para casa sem saber que fim levara o Marquinhos, quando ouviu um "Pst". Olhou em volta. Várias pessoas também atravessavam a ponte e algumas paravam para apreciar a uma estátua dourada colocada sobre um pedestal na calçada. Outras seguiam em frente. Nenhuma parecia ser a origem do "pst". Mas a mãe ouviu outro "pst". E viu que... Não podia ser. O "pst" vinha da estátua!A estátua não era uma estátua. Era uma pessoa imóvel, envolta numa espécie de toga, se fingindo de estátua. Pintada de dourado da cabeça aos pés. Uma alegoria de alguma coisa. E a alegoria estava falando. Com o canto da boca, esforçando-se para que o movimento dos lábios não fosse percebido.- Mamãe, sou eu.- Marquinhos?!A estátua fez que "sim" movendo a cabeça alguns milímetros.- Meu filho! O que eu vou dizer pro seu pai? Todo o dinheiro que ele gastou na sua educação pra você virar estátua?!- Em Paris, mamãe. Em Paris - disse o Marquinhos, pelo canto da boca.A mãe voltou para casa. Diria ao marido que o Marquinhos estava bem e se dedicando à arte. Não precisaria entrar em detalhes.

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