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A DESPEDIDA DO 'REVOLUCIONÁRIO CONSERVADOR'

Após 8 anos na Secretaria Municipal de Cultura, Calil diz que fez a "lição de casa" e investiu no patrimônio Carlos Augusto Calil,

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Por Maria Eugenia de Menezes e Ubiratan Brasil
Atualização:

Carlos Augusto Calil chegou à Secretaria Municipal de Cultura por acaso. Assumiu o posto em abril de 2005, após a saída conturbada de Emanoel Araujo. Vinha com o carimbo de "ex-auxiliar de Marta Suplicy". Mas acabou ficando oito anos no cargo. "Lembro que faltava exatamente um mês para o meu aniversário quando Serra me nomeou. Os jornalistas me perguntaram se eu era o novo secretário. Só respondi que ali estava começando o meu inferno astral. Era verdade", brinca durante a entrevista que concedeu ao Estado, em seu gabinete.Sem vinculação política, o atual secretário foi presidente da Embrafilme durante o regime militar, comandou a Cinemateca Brasileira entre 1987 e 1992, e dirigiu o CCSP no governo do PT. "Para lidar com cultura não é preciso só sensibilidade, mas saber administrar", defende. Sua gestão termina tendo como marca a Virada Cultural, polêmico e dispendioso evento de rua. Mas seu foco sempre esteve na recuperação do patrimônio: restaurou o Teatro Municipal e a Biblioteca Mario de Andrade, reformou teatros, casas históricas e 41 bibliotecas. "Não deviam esperar grandes novidades de mim. Meus exemplos sempre foram Mario de Andrade e Sábato Magaldi. Sabia que era preciso fazer a lição de casa."O Teatro Municipal foi restaurado, construiu-se o seu anexo, a Praça das Artes. Foram gastos R$ 170 milhões de nessas obras. Por que eleger esse campo como prioridade?A reforma do Municipal era inevitável. Tive a sorte de minha gestão coincidir com o centenário do Teatro. Era o pretexto de que precisava para fazer as duas obras. Outra coisa foi a fundação do Teatro Municipal. Que também não é coisa nova. Desde a gestão Sábato Magaldi (entre 1975 e 1979), já se discutia a necessidade de dar independência ao Municipal e de dotá-lo de um anexo. Também já se sabia que ele deveria ser construído exatamente no lugar em que fizemos a Praça das Artes. As ideias existiam. Só era preciso executá-las. A única coisa que não se tinha percebido antes é que a solução devia tomar o Conservatório Dramático e Musical como âncora. Por que o Conservatório?É um prédio com uma história única em São Paulo. Ali, Oswald conheceu Mario de Andrade. Ali, nasceram o próprio Municipal, a Sociedade de Cultura Artística. Unimos a cultura à questão urbanística, o que aliás se tornou uma grande oportunidade para nós. Sempre que fizemos uma obra, a reforma de uma biblioteca, de um teatro, cuidamos também do entorno. É preciso valorizar o espaço onde se dá a cultura. O senhor conseguiu aprovar a lei da Fundação do Teatro Municipal, mas não implementá-la. Por quê?Resistência do governo. Tudo que é novidade gera resistência. Mas sei que a autonomia do Teatro é absolutamente necessária. Mas a resistência não foi só do governo. Também não foi possível encontrar uma OS interessada em gerir a fundação, não?Existe desconfiança em relação ao nosso modelo, que não garante autonomia total à OS (organização social). É uma fundação de direito público, ao contrário da Osesp, por exemplo, que é de direito privado. O ex-ministro da Saúde José Temporão chegou a pensar num modelo bem interessante, para a contratação de médicos por fundações, a partir da CLT. Um modelo que vale para os hospitais e vale também para o Municipal. O erro é querer tornar o debate ideológico. Ou a OS funciona ou não. O problema no Brasil é de gestão pública, enquanto houver a lei 8.666, que me obriga a contratar serviços de má qualidade pelo menor preço, as coisas não vão funcionar. Tão logo assumiu, o senhor disse que faria uma gestão "revolucionariamente conservadora". Costumamos achar que cultura é questão de sensibilidade, de saber quem são os grandes artistas. Tudo isso conta, mas se não houver administração não se faz nada. O que estava dizendo é que não se devia esperar de mim grandes novidades. Estava consciente de que, antes, a lição de casa precisava ser feita. Meus exemplos foram Mario de Andrade e Sábato Magaldi. Minha pequena revolução foi tomar o cuidado com o patrimônio público como prioridade. Como encontrou a secretaria em 2005 e como a entrega agora?A questão mais complicada no Brasil é a precariedade das instituições. O que encontrei foi um depauperamento total da secretaria - biblioteca sem banheiro, sem contrato de limpeza, telhados quebrados. O que consegui fazer foi mudar o patamar do orçamento que era destinado a investimentos. Existe hoje um equilíbrio: 30% vai para a programação, 25% para folha de pagamento, 20% para o custeio e 25% para investimentos. Foi só assim que se tornou possível construir a praça das Artes, restaurar o Municipal, a Biblioteca Mario de Andrade, as casas históricas.Hoje se fala tanto da importância de valorizar a cultura da periferia, de dar voz a essa produção. Mas sua gestão investiu prioritariamente em ações na região central. Faltou atenção à periferia?A periferia tem uma demanda reprimida enorme por espaço público. Não consegui fazer equipamentos em todos os bairros, mas criamos um centro cultural em Cidade Tiradentes, reformamos 41 bibliotecas, criamos 15 pontos de leitura. Agora, sem querer plagiar o Hermano Viana, o centro hoje é a nova periferia. Está tão abandonado quanto. É uma tolice, tanto intelectual quanto politicamente, querer opor os dois polos. O centro pertence a todos os paulistanos. É dever do poder público resgatá-lo.A Virada Cultural se tornou uma das marcas dessa gestão. Ela deve continuar? Deve ser descentralizada?Não sei se vai continuar, mas descentralizá-la não vai dar certo. É uma experiência que tentamos e fracassou. A Virada promoveu uma reurbanização humana do centro. Não basta só cuidar da infraestrutura. Você precisa trazer gente para cá. E é o único dia em que pessoas de todas as classes e bairros podem estar juntas. Outra crítica que se faz à Virada é a quantidade de recursos que são gastos em único evento. Não é muito dinheiro para gastar em um dia só?Basta fazer a conta de quantas pessoas são beneficiadas, quantos artistas, e quanto se gasta com a Virada. É um ingresso que custa muito barato para o poder público, menos que qualquer ingresso de teatro ou cinema.Por que não usar dinheiro privado para fazer a Virada? Festa da cidade não pode ter bandeira comercial. Não pode ser uma festa de marca de cerveja ou empresa de telefonia. E a iniciativa privada só quer patrocinar com incentivo fiscal. No caso do auditório Ibirapuera, o senhor aceitou ceder para a iniciativa privada. Aceitei justamente porque o Itaú Cultural não usa recursos incentivados no auditório. São R$ 10 milhões investidos diretamente. Neste caso, achei que valia a pena abrir mão de programar diretamente o auditório para criar uma parceria exemplar entre o público e o privado. O senhor se declara crítico das políticas de incentivo. Como lidou com a Lei Municipal de Incentivo à Cultura, a Lei Mendonça?Não foi por falta de vontade que não mudei a lei, mas porque não tive força política para isso. Uma das primeiras coisas com as quais me deparei aqui foi com um pedido de patrocínio de R$ 1 milhão para shows no bar do hotel Fasano. Por que o governo precisa pagar essa conta? Fiz um decreto para a lei que lhe dá algum grau de racionalidade: exige que o projeto seja de interesse público e questiona se o dinheiro público é necessário para sua realização. O poder público tem a competência para julgar o que é relevante e o que não é. Mas não existe perigo de dirigismo cultural?Se dirigismo cultural é zelar pelo dinheiro público, serei acusado. Além disso, não é só o poder público que vai julgar. Existe uma comissão formada pela sociedade civil. O que não está certo é aprovar projetos sem nenhuma análise. Essa é uma batalha pessoal, mas não acho que esteja sozinho. A luta do Juca Ferreira no Minc já despertou consciências para esse assunto. Existe uma série de obras ainda em curso. Quais são?Existe uma torre para ampliação do arquivo histórico, teatros que estão em reforma, a conclusão da Praça das Artes. Também deixo desapropriados o cine Marrocos, o Art Palácio e o Cine Ipiranga, com projetos de restaurá-los e recuperar a Cinelândia paulistana.E por que não conseguiu concluir esses projetos? Qual foi a maior dificuldade nesses 8 anos?Dificuldades com o Ministério Público, dificuldade para sensibilizar o governo, preconceito. Queria, por exemplo, ter feito muito mais pelo circo do que fiz. Tinha o projeto para uma praça do circo na Pompeia que foi barrado pela associação de moradores. Diziam que o circo ia trazer "maus elementos" para o bairro. Puro preconceito. Você esbarra com dificuldades o tempo todo. Passei dois anos pregando que era fundamental revitalizar o Anhangabaú. Fiz o projeto. Não consegui sensibilizar ninguém. O senhor deixa a vida pública?A Secretaria estará em boas mãos. A escolha do prefeito sinalizou que vai valorizar a cultura. Além de administrador público, sou professor e nunca deixei de ser. A partir de 2013, volto em tempo integral para a USP. secretário municipal de Cultura

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