A democracia de chuteiras

Escrito pelo ex-jogador Sócrates e pelo jornalista Ricardo Gozzi, o livro Democracia Corintiana aborda um dos períodos mais ricos do clube paulista, nos anos 80, quando a equipe resolver assumir as decisões

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Por Agencia Estado
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O país do futebol não tem memória sobre o esporte que mais gosta e pratica. Foi com esse mote que o jornalista da Agência Estado Ricardo Gozzi e o ex-jogador e médico Sócrates escreveram o livro Democracia Corintiana, que a editora Boitempo lança nesta quinta-feira no Sesc Vila Mariana. O livro é parte da Coleção Paulicéia, sobre fatos, pessoas e lugares que marcaram a história de São Paulo. Democracia Corintiana vem preencher um pouco de uma imensa lacuna na cultura brasileira. "O Brasil é o país do futebol e a literatura sobre futebol não é nem incipiente ainda", diz Ricardo Gozzi. A seara já foi abordada por nomes incontestáveis das letras nacionais, como Nelson Rodrigues (torcedor histórico do Fluminense, do Rio) e, mais recentemente, por Luis Fernando Verissimo (fã incondicional do Internacional de Porto Alegre). Mas sempre de forma exclusivamente literária, enquanto o trabalho de Gozzi e Sócrates é fundamentado nas pesquisas do jornalista e na vivência do ex-jogador. Corintianos, Ricardo Gozzi e Sócrates resolveram falar sobre o Sport Club Corinthians Paulista. Mas em vez de resumirem o trabalho às glórias e desventuras do clube dentro de campo, decidiram abordar o período que está entre os mais ricos da história do futebol brasileiro e que certamente marcou os jogadores que dele participaram. Hoje conhecido como Democracia Corintiana, o movimento iniciado por jogadores como Sócrates, Casagrande e Wladimir espalhou pela sociedade o debate sobre democracia, no início dos anos 80, durante o regime militar. Naquela época (1981), o presidente era o general João Baptista Figueiredo. O povo novamente ouvia falar de política. Mas não declarações de intelectuais ou candidatos, e sim de seus ídolos dos gramados. "Levamos a discussão sobre democracia além das fronteiras dos formadores de opinião", diz Sócrates. O comportamento dos jogadores, fascinados com o clima de abertura que eles mesmos criaram dentro do clube, foi determinante para isso. "Eles falavam de política até em entrevistas de rádio depois dos jogos", informa Ricardo Gozzi. No dia-a-dia, a democracia no Corinthians acontecia por meio de votações constantes. O elenco ficou viciado em votar. "Qualquer questão era levada a voto. Quando viajar? A que horas viajar? Onde concentrar? Tudo era discutido", lembra Sócrates, em um de seus depoimentos no livro. E cada tema, mesmo os mais práticos e cotidianos, eram objeto de assembléias. Se o ambiente democrático entre os jogadores do Corinthians pode parecer pouco diante da abertura política que se processava no País desde 1979, é bom lembrar que aquele grupo elegeu o próprio técnico, quando o Brasil ainda não elegia presidente. E escolheram o ex-jogador do clube Zé Maria. A experiência vivida por aquele Corinthians do início dos anos 80 não se repetiu mais em outros clubes, embora alguns tenham tentado. E mesmo no Corinthians, a abertura para discussões não chegou a ser idêntica à que houve entre 1981 e 85. O que ficou - uma história de esforço democrático em um meio acostumado à inércia política - está em Democracia Corintiana. A síntese de uma história que, desde que vista sem preconceitos, contribui para entender mais do período de redemocratizacão do País e para a memória do esporte mais popular do Brasil. Democracia Corintiana De Sócrates e Ricardo Gozzi. Editora Boitempo. 183 páginas. R$ 26. Lançamento ocorre na quinta-feira, a partir das 19h30, no Sesc Vila Mariana (Rua Pelotas, 141, tel.: 5080-3000)

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