A Copa dos americanos

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Por Matthew Shirts
Atualização:

Não são poucos os brasileiros que me perguntam por que os americanos não gostam de futebol. Minhas respostas variaram ao longo dos meus anos no País, mas nunca achei a pergunta fácil. Alguns dos meus interlocutores, e mesmo os amigos, chegaram a insistir na questão, comparando o futebol com outros esportes praticados nos EUA."Como você pode gostar de beisebol, cara? Aquilo deve ser o jogo mais chato já inventado pelo homem", insistiu um conhecido, depois de alguns chopes. "Prefiro assistir a boliche."Lembro-me de outro, em Paraty, que relatou uma ida sua a uma partida de beisebol nos Estados Unidos. Diz-se espantado com a quantidade de comida consumida no estádio, de cachorros-quentes gigantescos afundados em picles adocicados e ketchup, a sacos enormes de pipoca e cerveja e Coca-cola e Sprite e algodão-doce e batatas fritas e Doritos com queijo, sorvetes, sem falar das maçãs do amor."Maçã de amor no jogo!, convenhamos Matheus. O povo gosta mais de porcaria do que do esporte."No que ele talvez tenha um pouco de razão. Mas quando se é criança, é bacana uma maçã de amor no estádio, vá.Ensaiei já várias respostas à pergunta sobre a indiferença americana ao futebol, como vinha dizendo. Mas a melhor encontrei, recentemente, no ótimo A Dança dos Deuses: Futebol, Sociedade, Cultura (Companhia das Letras), do historiador Hilário Franco Júnior. Como se sabe, o futebol foi inventado pelos ingleses na segunda metade do século 19, período em que exerciam grande influência no mundo através dos mares. E foi assim que o jogo chegou ao Brasil, à Argentina, ao Chile e até mesmo à Bolívia. Não é por outro motivo que ainda hoje temos times no subcontinente chamados Corinthians, River Plate e, meu nome favorito, The Strongest.Mas como explica Hilário: "...houve o reverso da medalha: os territórios que formalmente tinham feito parte do Império britânico resistiram à adoção do futebol e continuam ainda hoje secundários no universo futebolístico (África do Sul, Austrália, Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândia)."Simples assim.Pensei nisso ao ler meu blog predileto na semana passada. Chama-se "The Conversation" e é publicado por The New York Times. Nele, os colunistas do jornal David Brooks (republicano) e Gail Collins (democrata, feminista e muito engraçada) trocam ideias e alfinetadas entre uma coluna e outra, em forma de diálogo.Na conversa da semana passada, percebe-se que Brooks sente enorme prazer em introduzir e insistir no tópico da Copa do Mundo. Pergunta a Collins se a incapacidade do americano apreciar o futebol seria sinal de um provincianismo crescente no país. O deleite dele deriva do fato de que quem costuma curtir futebol (soccer) nos EUA são os democratas "esquerdistas" e internacionalistas do tipo que vota em Obama, como Collins. E ela, percebe-se, pouco entende do assunto.Os republicanos, por outro lado, tendem a cultivar os esportes tipicamente americanos - beisebol, stock car, american football, caça e pesca - como sinal do caráter único do país, aquilo que o professor Antonio Pedro Tota chama de "american exceptionalism", cuja expressão mais óbvia, hoje, talvez seja a republicana Sarah Palin - capaz de abater a tiros e retalhar a carne de um urso no campo, dizia ela durante a eleição presidencial.Na conversa entre Brooks e Collins da semana passada, há uma troca de papéis deliciosa e sutil. O conservador Brooks, que pegou gosto pelo futebol durante uma temporada na Alemanha, tira um sarrinho da progressista Collins (minha colunista predileta, diga-se), usando a Copa como arma. Quem quiser conferir pode ligar no: http://opinionator.blogs.nytimes.com/2010/06/16/a-world-cup-mentality/?scp=2&sq=the%20conversation&st=cse.Mas discordo de David Brooks, apesar de apreciar sua artimanha literária. Acho que o americano quer participar cada vez mais da Copa do Mundo. Ouvi dizer que a audiência televisiva do jogo entre as seleções da Inglaterra e dos EUA superou a de qualquer uma das seis primeiras partidas finais do NBA, a tão badalada liga americana de basquete e até o episódio final de Lost (!). E o jornal The New York Post, que pode ser acusado de muita coisa, mas jamais de elitismo esquerdista, estampou na manchete da primeira página, depois do jogo com a Inglaterra: "Os Estados Unidos ganham de 1 a 1!" Tal frase, profunda, se se pensar um pouco, seria impossível alguns anos atrás.O jogo contra a Eslovênia, muito bom, só vai ajudar.

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