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A cidade que se desnuda

Os poemas visuais do espanhol José Manuel Ballester estão em Fervor na Metrópole

Por Simonetta Persichetti
Atualização:

São Paulo. A arquitetura serviu como paisagem de fundo para as imagens de Ballester

 

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A primeira visão maior que o fotógrafo espanhol José Manuel Ballester teve da cidade de São Paulo, em 2007, foi a vista do alto do Edifício Copan: "Duas coisas me marcaram, a vista do alto e o canto do passarinho bem-te-vi! São as primeiras lembranças que tenho." Foi o que bastou para se encantar com a metrópole e realizar durante três viagens realizadas em 2007, 2008 e 2010, o ensaio Fervor da Metrópole, que apresenta na Pinacoteca de São Paulo.

A ideia, na verdade, foi construída e pensada pelo curador e pesquisador de arte Juan Manuel Bonet, que já presidiu o IVAM e o Museo Reina Sofia. Foi ele, um apaixonado pelo Brasil, e mais, pela arquitetura moderna do País, que pensou no roteiro dos lugares a serem fotografados: "Precisávamos de um fio condutor", nos conta ele, em entrevista na Pinacoteca. "Pensei então em fotografar a arquitetura modernista do fim dos anos 20 até os anos 70." Mas isso foi apenas o início. A arquitetura serviu como paisagem de fundo para as imagens de Ballester, considerado um dos expoentes da fotografia contemporânea, que no Brasil é representado pela Dan Galeria, desde 2006. Juan Manuel Bonet, com Diógenes Moura, curador da Pinacoteca do Estado de São Paulo, assina a curadoria da mostra.

Vazio.

Imagens em grande formato, espaços vazios, onde a natureza e a intervenção do homem se fazem presentes. Num primeiro momento, a um olhar menos acurado, seus registros nos remetem ao vazio industrial tão querido à escola da fotografia alemã. Num segundo momento, percebe-se a sutileza do olhar de Ballester. Espaços vazios, criados a partir de formas e volumes, além de sua sensibilidade, deixam claro a presença do humano. Apontam para suas marcas, sua passagem: "Somos, sou latino", diz Ballester. Talvez se encontre mais próximo do fotógrafo canadense Robert Polidori. Mas também não, Polidori fotografa a degradação causada pelo homem, Ballester a construção, a comunhão do homem com a cidade que ergueu.

E assim, os prédios de Lina Bo Bardi, Rino Levi, Vilanova Artigas, Flávio de Carvalho, Oscar Niemeyer, foram sendo interpretados e revisitados pelo fotógrafo espanhol. Para realizar este ensaio, não bastou passear pelos lugares pré-selecionados pelo curador, Ballester, como um bom viajante andou e muito pelas ruas da cidade, munido de uma pequena câmara digital, com a qual também fotografava São Paulo. E é este mesmo olhar, flaneur, este átimo do instantâneo que ele tenta reproduzir nas suas imagens de grande formato: "O que me marcou nesta cidade, é que ela tem grande potencial, mas me parece adormecida, pronta para explodir. São Paulo é fascinante. Desde a primeira vez fiquei fascinado por ela."

Fervor da Metrópole não é o primeiro ensaio de arquitetura, ou melhor, cidade, de Ballester. Ele já havia fotografado de modo similar a China e outros espaços urbanos ao redor do mundo. Formado em artes plásticas, acabou por se especializar em restauração de pinturas, em especial da escola italiana e flamenga.

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Isso lhe trouxe o conhecimento técnico e ajudou-o a se aprofundar na criação de uma obra. E foi esta ideia que ele levou para a fotografia: "Descobri a fotografia na faculdade. Com o tempo me dei conta que ao pintar fotografava e o contrário também era verdadeiro", explica ele. "Mas num determinado momento, comecei a ficar incomodado com o fato de a pintura ser muito lenta, pelo menos aquela que eu sabia fazer. Pintava um prédio e ele acabava mais rápido do que eu conseguia pintar. A fotografia foi uma escolha de me colocar no mundo contemporâneo."

Sem alarde, Ballester encontrou o que muitos artistas hoje buscam e não sabem colocar em suas obras, somente com as palavras. "Sou um artista comprometido com o meu tempo. Fotografo com o olhar contemporâneo, por isso gosto desse neopictorialismo que estamos vivendo. Busco sempre um diálogo entre as duas linguagens que, embora bem distintas, não são tão separadas assim. Ambas são meios que utilizo."

Em sua visão de mundo, não quis renunciar nem às possibilidades da pintura, nem às da fotografia. Procura captar a essência por meio da luz, venha ela por meio das cores pictóricas ou da construção fotográfica. Ele acredita que a vida é uma representação teatral e a cidade, a arquitetura, é o grande cenário desse teatro que vivemos: "A paisagem urbana nos dá pistas sobre a sociedade que a criou. É isso que me fascina, é isso que busco." Ou como escreve, no texto de apresentação, Diógenes Moura: "José Manuel Ballester "criou" uma São Paulo integrada e em grandes formatos para propor um diálogo entre o que o pensador Claude Lévi-Strauss chama de antropologia urbana e a verdade real na vida de uma cidade diariamente desafiadora, caótica e em êxtase, imunda e atraente, agonizante e silenciosa."

Surpresas.

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A cidade de Ballester não é a criação de uma paisagem, nem registro do que o surpreendeu, mas a tentativa de compreender e interpretar o que se lhe apresenta. "Uma coisa é o conhecimento, outra é o descobrimento. Conhecer um lugar no papel e depois me deparar com ele foi uma experiência completamente diferente e rica."

Com suas fotografias, o espanhol construiu poemas visuais, nos apresenta uma cidade que muitas vezes não estamos dispostos a ver, ou a reconhecer, uma cidade que se desnuda de forma generosa para ele, ou talvez seja ele que consegue vê-la com generosidade. Cronista urbano, consegue mostrar o que para ele é a essência da fotografia: "Sensibilidade sem artifício."

 

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JOSÉ MANUEL BALLESTER

 

Pinacoteca do Estado. Praça da Luz, 2, Luz, 3324-1000. 10 h/18 h (fecha 2ª). R$ 6 (sáb., grátis). Até 22/8. Abertura amanhã, 11 h.

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