
04 de setembro de 2011 | 00h00
O casal de Medianeras, formado por Javier Drolas e Pilar López de Ayala, a Angélica de Manoel de Oliveira - e a Elena de Lope, de Andrucha Waddington -, vive cada um no seu canto, também em Buenos Aires. Cruzam-se sem se ver. Um Conto Chinês busca dar sentido ao absurdo da existência, Medianeras é sobre o papel do acaso na vida das pessoas. Você pode preferir um ou outro, mas ambos provam, de novo, a força e diversidade do cinema da Argentina.
Em Gramado, o ator Javier Drolas disse que Medianeras era, na origem, um curta. Como foi a passagem para o longa?
Desde que escrevi a história, sabia que havia um longa dentro dela. O que não sabia é que essa história podia despertar tanta identificação e entusiasmo nas pessoas. Podia ter ficado somente com o espírito do curta, mas havia na estrutura algo que me interessava e impulsionava a seguir trabalhando. Essa estrutura foi que me permitiu fazer conviver, de maneira harmônica, uma comédia romântica, uma reflexão visual sobre Buenos Aires e uma espécie de ensaio social ligeiro sobre a vida moderna e as neuroses urbanas. A estrutura é o que diferencia o filme e o torna original.
A ideia de integrar a arquitetura ao relato é muito criativa. Isso vem de onde?
Nos cinco curtas que fiz, há uma espécie de protagonismo do espaço e da cidade. Foi o que levou o Festival de Curtas de São Paulo a armar um programa em minha homenagem. Comecei garoto a retratar a arquitetura e a cidade por meio de fotos. De tanto observá-la, comecei a refletir sobre ela. Medianeras tenta de alguma forma explicar a relação da cidade com as pessoas e a das pessoas com a cidade. Como nos parecemos com as cidades que escolhemos e como elas se parecem conosco. Uma simbiose perfeita, para o bem e para o mal.
Muitos críticos, em Gramado e Berlim, comparam seu trabalho com o de Woody Allen. Como vê essa comparação?
De um lado me deixa cheio de orgulho. De outro, me dá vergonha, porque me parece falta de respeito com um autor que é incomparável. Admiro o cinema de Woody Allen porque tem o melhor da comédia, o humor inteligente. São filmes simples, nada pretensiosos, e abordam temas que são profundos e emotivos. Que alguém possa ver um pouco disso em Medianeras, é coisa que me deixa exultante.
E quais são os seus Woody Allen favoritos?
Manhattan, e foi um luxo ter sido autorizado a usar um fragmento na montagem de Medianeras, Annie Hall, Hannah e Suas Irmãs, Todos Dizem Eu Te Amo, Zelig, Crimes e Pecados.
Me encantam as cenas em que os protagonistas se cruzam na rua sem se ver. Há uma frase do diálogo que fala da angústia de se buscar alguma coisa sem saber o que é. É isso?
Com certeza. Creio que a angústia, o mistério e também o encanto de se viver nas grandes cidades é justamente o fato de estarmos rodeados de desconhecidos. Duas pessoas que merecem se conhecer podem nunca se cruzar na vida, o que me parece triste, mas realista.
Você fez alguma pesquisa sobre o comportamento fóbico dos personagens? Algum componente autobiográfico?
O filme é produto da observação e da imaginação. Seu humor me permitiu abordar os assuntos sem medo. É um pouco como vejo as pessoas. Com muitas neuroses urbanas, muitos mecanismos de defesa. Tenho a impressão de que todo mundo hoje se refugia em casa, no apartamento, aonde quer que seja. A tecnologia nos vende a promessa de conexão (virtual, claro) e o mundo delivery faz o resto. As coisas mais importantes hoje são ditas por chat, e-mail ou mensagem de texto. É mais fácil convidar uma garota para sair por MSN e para ela também é mais fácil dizer que não pelo mesmo MSN.
Os personagens se cruzam sem se encontrar. Como foram filmadas as cenas com os atores? Separadamente?
Um dos desafios do filme, talvez o maior, foi fazer com que eles formassem um casal, mesmo sem compartilhar as cenas. Foi por isso que armei a filmagem de um jeito que eles não se conheceram antes que os próprios personagens. Tinha um roteiro detalhado, mas sempre houve espaço para improvisação. Javier (Drolas) e Pilar (López de Ayala) participaram muito da criação dos personagens. A ideia era retratar esse aspecto fundamental da vida moderna. A gente sabe o que deve fazer quando sai de casa, mas é preciso estar aberto, porque a cidade nos surpreende o tempo todo.
O público brasileiro de classe média adora o cinema argentino porque é bem escrito, interpretado e realizado. Os personagens parecem gente como a gente. O que você acha disso e como vê o cinema brasileiro?
Sei que o filme foi bem recebido em Gramado e espero que também seja na estreia em São Paulo. Medianeras tem um forte protagonismo de Buenos Aires, mas creio que seus temas são universais. Também penso que Buenos Aires e São Paulo têm muita coisa em comum, e não apenas o gigantismo. Retratei muitas vezes com minha câmera a inquietante Av. Paulista. Tenho de confessar que tenho mais admiração e afinidade pela música brasileira, especialmente a bossa nova. A música do Brasil chega muito mais que o cinema a Buenos Aires. Isso para não falar de futebol, claro.
Medianeras estreia com outro filme argentino, Um Conto Chinês. Ricardo Darín é um senhor ator de cinema. Concorda?
Darín é a cara do cinema argentino. Um ator versátil, talentoso, emotivo e carismático. E mostra isso, mais um vez, no Conto Chinês.
Já falamos de Woody Allen, mas Medianeras também tem algo do espírito do francês Eric Rohmer. Sim ou não?
Rohmer é outra fraqueza minha. Por sua simplicidade, austeridade e honestidade. Creio que Allen e Rohmer, cada um em seu estilo, são mestres que refletem as contradições da cabeça e do coração, traduzidas genialmente em encontros e desencontros.
Como anda a carreira de Medianeras?
Desde Berlim, Medianeras foi comprado para 30 países. Estreou somente na França, onde está em cartaz há três meses, e agora no Brasil. Acabo de chegar de três projeções no Lincoln Center, em Nova York. Foram inesquecíveis. Na Argentina, estreia em outubro.
MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA DO AMOR VIRTUAL
Direção: Gustavo Taretto.
Gênero: Drama (Argentina/2011, 95 minutos). Censura: 12 anos.
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