A câmera cidadã de Fernando Solanas

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Por Luiz Carlos Merten
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Melhor filme latino da Mostra? O melhor filme da 35.ª Mostra é latino - Las Acacias, do argentino Pablo Giorgelli. Mas há também o díptico de outro argentino, Fernando Solanas. 'Pino', como é chamado, virou sinônimo de cinema político. Ele tem marcado a Mostra com seus documentários - Memória del Saqueo, A Dignidade dos Ninguém. Solanas propõe agora A Terra Sublevada, 1 e 2.Desde 1970, com o mítico La Hora de los Hornos, que investiga a violência na Argentina, Solanas tem imprimido uma marca própria - a dele - ao cinema documental da América Latina. E ele se preocupa sempre em expressar na tela a dignidade dos ninguém - talvez devesse ser esse o subtítulo adjacente à toda sua obra. Terra Sublevada, Parte 1, Ouro Impuro e Parte 2, Ouro Negro.A obra de Solanas é em boa parte, senão toda, a memória do saque à que a América Nuestra vem sendo submetida, desde séculos, pelas potências coloniais. As veias abertas da América Latina. Ouro Impuro mapeia os campos de mineração do noroeste argentino - em San Juan, La Rioja, Catamarca, Tucumáqn e Salta. A depredação das riquezas mineiras, a degradação do meio ambiente pelo uso de substâncias tóxicas a céu aberto. Engenheiros, professoras, ambientalistas, indígenas, Solanas dá voz aos protagonistas dessa tragédia.Ouro Negro - a história agora mostra como o neoliberalismo, na Argentina dos anos 1990, entregou os campos de petróleo e mineração às grandes corporações. Os métodos de extração e o uso de substâncias tóxicas danificaram nascentes de rios. A luta avança - Solanas não apenas documenta o estrago como mostra o que está sendo feito para combater o inominável. Os defensores do mundo global vão dizer que, como o francês Nicholas Klotz, Solanas é um dinossauro. Uma relíquia de esquerda que não sabe mais seu lugar no mundo. Ainda bem que existem vozes dissonantes como as de Solanas.Ele produz, dirige, escreve, fotografa, monta os dois filmes - Solanas só não assina a música. Em ambos os filmes ela é creditada a Mauro Lázaro. Quem viu Tangos, o Exílio de Gardel e, depois, Sur - Amor e Liberdade, sabe da importância que a trilha tem no cinema de Solanas. Por mais informação que ele concentre em seus filmes, Solanas sabe que a linguagem é essencial. A estética, por mais política que seja, é soberana.É possível manter a indignação sendo poético? Essa pergunta ronda o cinema de Fernando 'Pino' Solanas. Em 2004, há sete anos, o Festival de Berlim lhe outorgou um Urso de Ouro especial por sua carreira. Ele não teria recebido a distinção, se seus filmes políticos não tivessem a contrapartida de ser, acima de tudo, cinema. Lutando, com a arma da câmera, pela dignidade dos ninguém, Solanas, na verdade, está propondo um cinema cidadão, de guerrilha. Em São Paulo, na Mostra, ele anunciou que o próximo filme, também documentário, será sobre a propriedade e o uso da terra.

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