A busca pela identidade

Alan Berlin volta ao tema da memória familiar ao registrar a vida do poeta Edwin Honig em Primo em Terceiro Grau, que passa no É Tudo Verdade

PUBLICIDADE

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Alan Berliner já perdeu a conta das pessoas que sopram no seu ouvido para dizer que Minha Vida em Cor de Rosa é o filme da vida delas. Ele próprio gosta muito do filme do belga Alain Berliner. Um simples I - Alan/Alain - diferencia os dois. Alan Berliner é um cineasta norte-americano. Um documentarista, embora não se defina como tal. "Sou filmaker, cineasta", diz. Seus filmes têm passado com frequência no É Tudo Verdade, mas esta é a primeira vez que ele visita o País. Chegou domingo. Andou um pouco, comeu comida japonesa, temaki. Fica até domingo, hoje participa da abertura das conferências que correm paralelamente à exibição dos filmes. Às 10 da manhã, no MIS, Museu da Imagem e do Som, Alan Berliner fala de cinema (documentário) e vanguarda.É um tema ao qual seu nome é sempre associado. Vanguarda, experimentalismo. Os documentários são pessoais e colocam (sempre) a linguagem em evidência. Ele mostra o novo trabalho, Primo em Segundo Grau. Ao repórter, o criador do É Tudo Verdade, Amir Labaki, disse que colocou Primo numa seleção especial porque seria covardia lançar o filme na competição - o filme ganhou talvez os principais prêmios de documentário do ano. É um dos trabalhos mais premiados de Alan Berliner. "Não chegamos a conversar sobre isso, mas teria dito a Amir que não queria competir. E não é porque ache que sou imbatível. A verdade é que não preciso mais de resumé (currículo)", explica, durante entrevista realizada ontem, num café da Avenida Paulista.Primo em Segundo Grau trata de identidade, família, memória, temas que percorrem a identificam a obra autoral de Alan Berliner. Ele já fez filmes (retratos) de seu avô e de seu pai, tentando descobrir quem é. Foi atrás de homônimos como ele, ao descobrir que seu nome - mesmo sem o I de Alain - não é raro na 'América'. Nascido e criado no melting pot de Nova York, Alan reconhece a importância da questão da identidade. "Pelo lado paterno, descendo de russos e poloneses. Pelo materno, de egípcios e palestinos. O acaso quis que meus pais se conhecessem e casassem em Nova York, mas são produtos de culturas muito diferentes e vastas. Sempre tive curiosidade de saber quem sou e de como essas influências se somam em mim", explica.O novo filme demorou o tempo médio das realizações de Alan Berliner - cinco anos. "Em geral, preciso de um tempo, em torno de um ano, para promover os filmes e para me esquecer como é difícil realizá-los. Preciso dessa fase de distanciamento antes de começar tudo de novo." Primo em Terceiro Grau, como diz o título, é sobre o poeta Edwin Honig, primo em terceiro grau de Alan Berliner. Ele sofre de Alzheimer, e Alan investiga como a doença o afeta. "Meu primo foi e ainda é muito importante na minha vida, uma influência decisiva, embora seja 36 anos mais velho. Ele sempre foi brilhante com as palavras, sempre teve a memória prodigiosa e agora a memória falha, lhe faltam as palavras. Mesmo assim, ele ainda se comunica por metáforas, como sempre fez. A música da palavra é essencial em sua vida."A doença desempenha seu papel na vida do primo e, consequentemente, no filme, mas Primo em Terceiro Grau não é sobre Alzheimer - ao contrário de Não me Esqueça, do alemão David Sieverking, que filma a própria mãe, eternizando sua imagem e tentando retardar ao máximo o impacto do Alzheimer que a empurra para o esquecimento. Não me Esqueça integra a competição internacional. Até por seus temas - e método -, Alan Berliner não poderia ser associado ao documentário político (e militante). Ele sabe disso - "Tenho respeito e admiração pelas pessoas que, como Don Quixote, elegem suas causas, mas eu tenho os meus moinhos de vento pelos quais lutar", explica.Para um autor tão preocupado com a identidade - e a família -, ele conta que vive um momento especial de sua vida. "Fui pai bastante tarde. Tenho um filho de 9 anos que é, hoje em dia, minha prioridade." Ele participa intensamente do processo de educação/formação do garoto. Gostaria de tê-lo trazido ao Brasil, mas ele joga xadrez e estava até ontem numa cidadezinha do interior dos EUA, participando de um evento. Alan Berliner gosta do contato com as pessoas, de exibir seus filmes, conversar (e debater os filmes dos outros). Mas admite que a solidão é importante para quem cria. "Existem momentos em que preciso me isolar no estúdio", revela. É nesses momentos que gesta belos filmes como Primo em Terceiro Grau.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.