A biografia secreta de Marcos Rey

No livro Maldição e Glória,lançado pela Companhia das Letras, Carlos Maranhão revela drama do escritor paulistano

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Por Agencia Estado
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Foi uma das ambulâncias do Departamento de Profilaxia da Lepra (DPL) que em outubro de 1939 parou diante da casa da família Donato, nos Campos Elísios, e levou para o isolamento Edmundo, que contraíra hanseníase aos 10 ou 11 anos e na ocasião tinha 14. Ele passou o diabo em sanatórios de isolamento, até conseguir escapar. Embora do ensino formal só tivesse visto a cor do diploma do primário, tornou-se escritor de sucesso. Escreveu de tudo, de comerciais a roteiros de pornochanchadas e romances populares. No entanto, pouca gente vai saber que Edmundo Donato é o nome de batismo de Marcos Rey. E é em homenagem a esse escritor, paulistano da gema, que sai a biografia Maldição e Glória - A Vida e o Mundo do Escritor Marcos Rey, de Carlos Maranhão (Companhia das Letras, 292 págs., R$ 41). Maranhão revela, de início, esse "terrível segredo", que acompanhou a vida de Marcos Rey. Várias vezes a mulher de Marcos, Palma, o incentivou a escrever sobre o assunto. Ele nunca se sentiu forte o bastante para isso. Mas não proibiu à mulher de revelar tudo o que sabia depois que ele morresse. E quando o fizesse, recomendou, não se esquecesse de mencionar o "doutor Salles". O médico Francisco Salles Gomes Júnior era chefe do DPL e terror dos hansenianos. Francisco Salles Gomes Júnior foi pai de Paulo Emilio Salles Gomes, criador da Cinemateca Brasileira e patrono da crítica cinematográfica do País. Sem dúvida, a doença é a principal revelação do livro. De certa forma, Marcos Rey, que viveu até 1999, sentiu-se até o fim estigmatizado por esse mal tão facilmente associável a preconceitos de ressonância bíblica. O retraimento do rapaz e outros traços de sua biografia (e de sua obra) talvez se expliquem dessa forma. Por exemplo, Marcos Rey se refugiou durante 14 meses no Rio de Janeiro pois temia ser perseguido pelo DPL em São Paulo. Lá freqüentou a Lapa, entrou em contato com marginais, prostitutas e cafetões, o que lhe daria excelente material para sua obra literária futura. O biógrafo sustenta que até mesmo o pseudônimo seria conseqüência da doença. Marcos sempre sustentou que queria se diferenciar do irmão mais velho, o também escritor Mário Donato (autor de Presença de Anita). Mas o principal motivo seria ocultar-se sob o nome inventado, já que o nome real estava fichado no departamento. Da biografia escrita por Maranhão, emergem tanto o escritor quanto seu entorno, uma São Paulo ainda romântica, cuja vida inteligente ainda circulava pelo centro e confraternizava alegremente com a fauna noturna. Dessa convivência heterogênea nasciam coisas boas e uma delas foi a obra desse empedernido cronista da cidade. Carlos Maranhão não cai na armadilha de explicar a obra toda por uma circunstância da vida. Ser hanseniano foi um fator decisivo na vida de Marcos Rey. Mas não o único, nem talvez o mais fundamental.

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