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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

A árvore de Natal

Era um grande evento apagar a luz da sala e admirar o funcionamento daquele xing ling

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Por Gilberto Amendola
Atualização:

Quatro semanas antes do Natal, às vezes um pouco antes, minha mãe tirava a árvore da caixa. Lembro do cantinho da sala em que ela era montada. Na época, ninguém falava em feng shui, mas os efeitos positivos daquele elemento no nosso ambiente eram visíveis.

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Na montagem, enfeites de outros natais se desmanchavam nas minhas mãos. Quantas bolas vermelhas eu não quebrei por pura falta de coordenação motora? Para cada desastre, a promessa de um passeio no centro da cidade. Uma tarde na Rua 25 de Março, comprando pisca-piscas e outros adereços natalinos, era a minha ideia de felicidade.

Os pisca-piscas merecem um capítulo à parte. Era um grande evento apagar a luz da sala e admirar o funcionamento daquele xing ling. Nem sempre os pisca-piscas correspondiam à nossa expectativa. Na maioria das vezes, as luzinhas já vinham queimadas ou funcionavam apenas por dois ou três dias. Na véspera do Natal, e isso era uma regra, nada mais piscava na nossa árvore.

A gente pendurava tantos badulaques que ela sempre ficava torta. Então, eram horas tentando equilibrar o peso de bolas, trenós, anjinhos e laços. O esforço nunca resolveu a questão da “tortice” da árvore – simplesmente nos acostumamos com a ideia de ela ter nascido assim. 

Imagem ilustrativa de uma árvore de Natal com presentes. Foto: Pixabay

Tínhamos também um pequeno presépio. Além de Jesus na manjedoura, recordo de uma ovelhinha que, originalmente, não fazia parte daquele contexto religioso. Se não me engano, era de um brinquedo, uma “fazendinha” que ganhei quando tinha 4 ou 5 anos.

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Lembro de um Natal, eu já não era mais criança, em que transformei três minicraques (bonequinhos de jogadores de futebol) em reis magos. Em 1998, meu presépio teve Ronaldo, Romário e Dunga. 

Pois é, tudo isso para dizer que estou pensando em comprar uma árvore de Natal. Sei lá, me bateu essa vontade. Moro sozinho, não tenho filhos, mas ando apegado à ideia de uma árvore. 

Não uma árvore como aquela da minha infância. Acho que não consigo mais reproduzir a beleza inocente daqueles momentos com a minha mãe. 

Hoje, penso em uma árvore pequena, discreta, agnóstica, quase cínica. Uma árvore que fique bonita ao lado de umas garrafas de uísque.

Essa árvore, creio, seria o meu comentário irônico sobre o espírito natalino (que chatice, eu sei). Quero de novo apagar as luzes e ver o pisca-pisca da 25 Março cumprir o seu destino inescapável de me frustrar. No mais, é esperar que o Papai Noel não seja negacionista e já tenha tomado sua terceira dose de vacina.

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