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A artista Yayoi Kusama salpica suas manias, os pontos e as bolas, na nova edição de ‘Alice’

São muitas as relações entre Alice e Kusama, ou melhor, entre o mundo de Carroll e a obra da artista japonesa

Por Dirce Waltrick do Amarante
Atualização:

A Editora Globo acaba de publicar mais uma edição (das muitas publicadas por diferentes editoras ao longo dos anos dentro e fora do Brasil) de Alice, na tradução fluente e ágil de Vanessa Barbara. Além da tradução, o diferencial dessa nova edição fica por conta das ilustrações ousadas de Kusama, que salpicou as páginas do livro com uma de suas obsessões: os pontos, ou bolas. Eles não só interrompem a leitura, confundem-se com ela, como também, muitas vezes, criam uma ilusão de ótica e parecem se multiplicar nas páginas diante dos nossos olhos.

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Sabe-se que, embora Carroll tenha sido o primeiro a ilustrar o livro, os desenhos mais famosos de Alice são de autoria do caricaturista inglês John Tenniel, que imprimiu em alguns deles o rosto de políticos ingleses da época. Se as ilustrações de Tenniel exploram o grotesco (basta citar a cara assustadora da duquesa) e o humor, as de Kusama apostam, com suas abstrações e repetições, na dimensão onírica da aventura de Carroll

Yayoi Kusama, que sofre de transtorno obsessivo compulsivo desde a infância, afirma que compõe sua obra nos períodos de alucinação, quando flutua "entre sensações de realidade e irrealidade". Essas sensações também são próprias dos sonhos, um dos quais, no seu ápice, faz Alice ver cartas de baralho se multiplicando à sua frente, quase como as bolas, ou os pontos, que se multiplicam para Kusama: "Nisso, o baralho inteiro veio voando na direção de Alice. Ela deu um gritinho, tentou afugentá-los e se viu deitada à beira do rio, com a cabeça no colo da irmã, que afastava gentilmente de seu rosto algumas folhas secas que caíram das árvores".

Quando Kusama tinha 10 anos, ela olhou para uma toalha de mesa com flores vermelhas e passou a vê-las em todos os lugares, no teto, nas janelas, etc. Logo teve a impressão de que seria "envolvida pela fascinação das flores vermelhas" e perderia a sua vida. Ela quis fugir, descer a escada, mas imaginou que os degraus puxavam a sua perna e a "faziam tropeçar e cair do alto da escada", do mesmo modo, diria, que Alice cai na toca do coelho: "Alice não teve um segundo para pensar em frear antes de se ver caindo através do que parecia ser um poço bem fundo".

Parece que são muitas as relações entre Alice e Kusama, ou melhor, entre o mundo de Carroll e a obra da artista japonesa. Ambos partem do delírio, da desordem ou do apagamento da consciência para construírem suas obras.

A grande maioria dos personagens de Carroll não é retratada por Kusama: Alice aparece somente no final do livro com longos cabelos negros (talvez um alter ego da própria artista japonesa); do gato de Cheshire, temos apenas uma enorme boca; já o coelho e outros tantos personagens estão reduzidos a pontinhos e bolas; afinal, como diz Kusama, tudo no universo não passa de pequenos pontos: "Você é um ponto, as estrelas são pontos, eu sou um ponto".

Alice é quase uma obsessão infinita, suas edições se multiplicam. Em 2013, vale lembrar, a Editora Iluminuras lançou Alice no Jardim de Infância (tradução de Sérgio Medeiros), livro que Carroll escreveu em 1890 sob o título The Nursery Alice e que reconta Alice no País das Maravilhas para crianças de 0 a 5 anos, ainda não alfabetizadas, cujo contato com o livro seria intermediado por pais, professores, etc. As ilustrações são de Tenniel, mas colorizadas.

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DIRCE WALTRICK DO AMARANTE É AUTORA, ENTRE OUTROS, DE PEQUENA BIBLIOTECA PARA CRIANÇAS (ILUMINURAS)

AVENTURAS DE ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHASAutor: Lewis CarrollTradução: Vanessa BarbaraEditora: Globo (184págs., R$ 59,90)

MARY POPPINSAutor: P.L. Travers.Tradução: Joca Reiners Terron.Editora: Cosac Naify (192 págs., R$ 39,90).

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