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A arte em volumes de Waltercio Caldas

A exposição Livros, que será aberta amanhã na Pinacoteca, reúne 29 obras do artistas e faz uma síntese do seu trabalho

Por Agencia Estado
Atualização:

O livro sempre esteve presente na obra de Waltercio Caldas. Trata-se de um objeto ao qual ele não se cansa de retornar, em busca de novas possibilidades, de novos desdobramentos, e que acabou se tornando mais do que uma marca de sua produção artística. É por meio do livro, enquanto objeto de arte, que Waltercio exprime grande parte de suas indagações conceituais e formais e que constituem a essência de seu trabalho plástico. Como é possível ver na exposição Livros, que a Pinacoteca do Estado inaugura neste sábado - e que já foi vista em várias cidades brasileiras, como Rio, Belo Horizonte e Porto Alegre, seguindo depois de São Paulo para a Suíça e possivelmente para a Espanha -, os objetos em forma de livro que o artista carioca vem construíndo desde 1967 às vezes antecipam, às vezes dão continuidade, mas estão estreitamente ligados às suas duas formas básicas de expressão: o desenho e a escultura. Aliás, é inerente ao livro alguns dos paradoxos que constituem o eixo central da obra do artista carioca: ele é ao mesmo tempo bidimensional e tridimensional, contrapõe um forte apelo físico à intangibilidade de seu conteúdo; busca eternizar idéias quando é um objeto tão frágil; é ao mesmo tempo ativo e passivo; tem um forte apelo sensual e ao mesmo tempo traz consigo a idéia de ascese intelectual. O próprio Waltercio confessa ter um grande fascínio pelo objeto livro, que segundo ele pertence à mesma família que os espelhos e os relógios, intrigantes e apaixonantes objetos que estão totalmente relacionados à idéia de humanidade. A primeira das 29 obras da exposição, realizada por Waltercio quando ele tinha apenas 21 anos, surpreende como uma espécie de enunciado do que se tornaria o trabalho de Waltercio ao longo de uma sólida carreira que estava por nascer. Vôo Noturno é de uma simplicidade impressionante. Trata-se de uma pasta que, quando aberta, se transforma numa pequena escultura composta por dois planos (que formam a capa do caderno), sustentados em frágil equilíbrio por uma linha tensionada. "É aí que meu gesto passa da bidimensional para tridimensional", diz o artista ao mostrar seu pequeno objeto-livro-escultura. "Somos condenados a ser quem somos", acrescenta ele, para explicar a grande familiaridade entre essa peça e outras esculturas suas bem mais recentes. Waltercio recusa-se a ver esses livros como um núcleo de obras à parte. "Neles estão todas as questões de meu trabalho, de uma forma ou de outra", afirma. Na exposição passa diante dos olhos do espectador uma série de experiências distintas desenvolvidas pelo artista neste campo. São muitas as famílias a que pertencem esses objetos, sendo possível traçar várias conexões. Muitos deles trazem à tona questões relativas ao tempo, à ordem e ao ritmo. É o caso, por exemplo, de Crítica do Milagre, o mais belo trabalho de encadernação da exposição. Feito de acordo com os cânones, esse luxuoso volume encadernado com uma peça única de couro inglês tem 300 páginas. Em cada uma delas está escrito "crítica do milagre". Com essa simples operação, Waltercio parece congelar o tempo e instiga o leitor a prosseguir, apesar da óbvia repetição. Essa obra também evidencia a principal falha da exposição, já que as obras serão exibidas de forma estática, dentro de caixas de acrílico e não poderão ser manuseadas pelo público para preservar o material. Outra linha bastante explorada por Waltercio é o diálogo com a história da arte. Em Velázquez, por exemplo, ele dialoga com os mestres Matisse e Velázquez, outro apaixonado pelo livro e que foi o primeiro a reproduzir em sua obra a idéia do escrito e não o texto em si. Nas obras do espanhol, assim como no livro homônimo de Waltercio, o que vemos é a mancha do texto, que aos olhos parece bem mais fidedigno e coerente com as regras da ótica. Tanto em Rilke como em Safo - o último livro-obra feito pelo artista - a poesia é a grande homenageada. "Ao falar que a música é um outro lado do ar, Rilke toca na metáfora da escultura, o que é para mim um estímulo bastante forte", explica. Convém ainda mencionar duas obras centrais em sua produção: Manual da Ciência Popular, lançado em 1982, e Aparelho, de 1978, um dos primeiros livros sobre um artista vivo lançado no Brasil. "Me diziam que não fizesse isso, que ia congelar o trabalho. Eu pensava: depende do livro. Se, em vez de levar as pessoas a pensarem o que esse artista fez, ele levar as pessoas a se perguntar o que o artista vai fazer, então será uma obra bem-sucedida." Waltercio Caldas. De terça a domingo, das 10 às 18 horas. Pinacoteca do Estado. Praça da Luz, 2, telefone (11) 229-9844. Até 4/8. Abertura às 11 horas.

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