Tem sempre alguém que ganha notoriedade por projetar espessas quantidades de suco salivar a grandes distâncias. O menino que cospe longe é ladeado em fama pelo menino que consegue cuspir de lado, por outro que sopra bolhinhas de saliva e por aquele que acerta praticamente todos os arremessos de amendoins na boca. Eles são temidos e reverenciados como se fossem membros de uma liga de super-heróis, verdadeiras celebridades da nossa infância que só não ganharam bustos comemorativos porque é muito difícil esculpir rostos humanos em massinha.
Uma das primeiras provações que encontramos na vida acontece ao entrar numa escola nova e ser indagado por um colega: “Você consegue erguer uma sobrancelha só? E dobrar a língua? Você consegue abanar as orelhas? Mexer o couro cabeludo? Afinal, você sabe fazer qualquer coisa de interessante?”.
Eu nunca consegui. Não era capaz de mover os dedinhos de forma independente, nem de lamber o cotovelo. Conheci crianças que dobravam o indicador de forma anormal, que conseguiam inflar a barriga como se estivessem grávidas e mexiam a ponta do nariz feito coelhos. Houve uma vez um menino que soprava ar pelos olhos. (É possível que você não o tenha conhecido, mas só ouvido falar dele, como uma narrativa folclórica passada de geração em geração.)
Mas, afinal, o que aconteceu com esses mitos da nossa infância? O que foi feito deles? Fico imaginando essas figuras épicas adentrando um escritório no primeiro dia de trabalho e tentando impressionar os colegas tocando House of The Rising Sun com as axilas. Ou respondendo a perguntas de uma entrevista de emprego com a voz do Pato Donald, só para causar boa figura.
Tive uma amiga que conseguia arrotar frases inteiras. Ela entoava versos do Hino Nacional com arrotos, e por isso foi a menina mais popular da turma até mais ou menos os 12 anos. Então as regras mudaram. Da noite para o dia, ter o cabelo liso, um moletom de marca ou, atualmente, um Samsung Galaxy S6 Edge tornou-se mais importante do que ser capaz de lamber o dedão do pé. De repente, minha amiga não era mais tão popular assim. E esses nossos verdadeiros mitos da infância se perderam no vestibular, em cursos de gerenciamento financeiro e departamentos de marketing.
Nos coquetéis da firma e nas conversas de bebedouro, ninguém se lembra de que um dia foram heróis.