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A "Amerika" de Kafka, em nova tradução

Sai no Brasil a tradução direta do alemão de O Desaparecido, que tem como protagonista jovem que emigra da Europa para os Estados Unidos

Por Agencia Estado
Atualização:

Karl Rossmann, um jovem de 17 anos, desembarca em Nova York sem uma mala e sem um guarda-chuva. Vem de Praga, fala apenas alemão e espera, no Novo Mundo, construir uma vida depois de a sua ser abalada por um episódio - fora seduzido por uma empregada. Rossmann é o protagonista do primeiro romance escrito por Franz Kafka (1883-1924), publicado após sua morte com o título Amerika, mas que, no manuscrito que deixou para seu amigo Max Brod (e que, como quase toda a sua obra, deveria ter sido destruído, segundo seu suposto desejo), recebia o título de O Desaparecido. O Desaparecido ou Amerika (Editora 34, 304 págs., R$ 43) acaba de ganhar uma tradução direta para o português no Brasil, em sua versão "completa", assinada por Susana Kampff Lages, professora de língua alemã da Unicamp. Anteriormente, apenas o primeiro capítulo da obra, O Foguista, havia sido traduzido diretamente do alemão no Brasil, por Modesto Carone. O Foguista, aliás, é o único trecho do livro publicado em vida pelo autor, como conto. A trajetória de Rossmann é descrita, muitas vezes, como queda. O livro também pode ser considerado um "anti-romance de formação". Quando desembarca em Nova York, Rossmann encontra um senador que se apresenta como seu tio e que promete uma inesperada estadia gloriosa. Dois meses e meio depois, contudo, um convite para passar um dia fora da cidade inicia uma sucessão de mal-entendidos, e Rossmann recebe, no fim do dia, uma carta do tio pedindo "encarecidamente" que não volte a procurá-lo. Nada parece "dar certo" para seu protagonista, que se vê enredado em situações e em problemas com os quais não é capaz de lidar. A América - os Estados Unidos -, assim, no início do século 20, cumpre um papel oposto ao de Paris e Londres em romances como A Educação Sentimental, de Gustav Flaubert, e Grandes Esperanças, de Charles Dickens, no século 19. Apesar disso, Kafka, como em outras obras suas, mantém um humor refinado, recorrendo, dessa vez, a cenas que dão um tom mais leve à leitura - o que, segundo Susana, não decorre de sua tradução, que procurou manter os "estranhamentos" do texto original. "Nesse livro há de fato cenas mais leves, engraçadas; não creio que essa leveza se deva à tradução, embora eu tenha procurado ter o cuidado de resgatar os elementos de humor e ironia do texto, uma vez que na minha interpretação eles estão intimamente ligados aos elementos da tradição judaica da escrita kafkiana", diz ela. O Desaparecido foi escrito entre 1912 e 1914, antes dos romances mais conhecidos de Kafka - O Processo e O Castelo. "Classificações como ´romance´, ´novela´, ´conto´ e mesmo ´ficção´ e ´biografia´ são postas em cheque pela escrita de Kafka, composta de narrativas fragmentárias, uma literatura ao mesmo tempo obcecada pela totalidade, mas que testemunha a impossibilidade de alcançá-la", diz Susana. "Nesse sentido, de ´radical inconclusão´, acho que O Desaparecido é um legítimo precursor dos textos posteriores."

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