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553 brasileiros

O silêncio, as aspirações e uma lata de guaraná de presente da diáspora em Londres.

Por Ivan Lessa
Atualização:

Quando, ao acordar, lá pelas 7h30m de manhã, abri a cortina da velha casa vitoriana dei uma espiada na rua e, no meu quarteirão inteiro, o que dá para o jardim, lá continuavam eles, olhando para cima, minhas três janelas da fachada da frente: 553 brasileiros. Há algum tempo que me rondam. 553 brasileiros. Bem comportados, vestidos razoavelmente, pouco barulhentos. Um pequeno grupo em seu meio - mais ou menos uns 17 - de terno e gravata e cara séria. Muitos de camisa esporte, já que o dia estava bonito e a temperatura amena; uns 20 graus. 553 brasileiros. Já não me pergunto mais o que querem, pois mostraram ser de paz. Não me queixei à polícia. Não dei satisfações aos vizinhos que passaram a me olhar interrogativos, sem tocar no assunto, bem coisa de, para dar um número qualquer, 335 britânicos. Algumas mulheres entre os 553. Vestidas para uma zona temperada e não os trópicos. Certo dia, quando fui ao indiano da esquina comprar o jornal, leite e suco de laranja, os 533 foram, quase que silenciosos, e em ordem, atrás. 553 brasileiros. Sem fazer barulho, em ordem. Batucada? Nem pensar. Nem uma só cuíca, reco-reco, pandeiro ou violão entre eles. Apenas abusavam do direito de serem 553 e não portarem qualquer cartaz ou cantarem qualquer refrão, político, humanista ou ecológico. Fui, e continuo, me acostumando à presença de 553 brasileiros atrás de mim. Não me querem mal, caso contrário já teriam feito das suas. E 553 brasileiros, inda que desarmados de rifles e atabaques, assustam quem já se acostumou ao pinga-pinga, pelas ruas do bairro, de britânicos. Já vi, de uma só vez, neste quarteirão mesmo, 13 ingleses, mas estavam com a camisa do Chelsea, que tem seu campo de futebol nas proximidades e portanto não contam. Nunca 553 britânicos. Principalmente a me seguir ou ficar de ronda perto daquilo que insisto em chamar, quando não quero intimidades, de "minha residência". Certo dia, dois ou três deles, quando eu me encaminhava para a BBC, se aproximaram e, numa sacola listada de plástico branco e vermelho, me ofereceram quatro latas de guaraná. Evitaram meu olhar, dirigiram sua atenção para o pavimento. Poderia ser um quadro de Pedro Américo para o reverso de uma nota nova de 10 reais. Aceitei, agradeci e segui em frente. Com 553 brasileiros atrás. Bem comportados, procurando não chamar, em vão, a atenção. Nosso convívio estrambótico prossegue. Somos, eu e os 553, de boa paz. Recebi, semana passada, pelo correio, o resultado de uma pesquisa feita pelo Grupo de Estudos Brasileiros no Reino Unido (GEB), datado de março de 2011. São várias páginas, nunca chegando a 553, dedicadas a uma sondagem e estudo realizado entre junho e setembro de 2010, em forma impressa e eletrônica. O objetivo da empreitada, segundo a GEB é "debater questões que dizem respeito à diáspora brasileira e promover o diálogo e o intercâmbio multidisciplinar sobre as dinâmicas que afetam as diásporas brasileiras e suas diferentes experiências migratórias." O estudo concentrava-se em Londres e o número de dados e gráficos quase que chega aos 553. Fiquei sabendo que, dos 553 que responderam ao questionário, 294 (53%) preferiram a forma impressa, ao passo que 259 (47%) optou pelo formato eletrônico. Fiquei sabendo mais, muito mais. Que o maior número de homens que por aqui arribaram beira a faixa entre 18 e 24 anos. Que sua origem brasileira é proveniente de 20 das 27 unidades federativas do Brasil, sendo que São Paulo contribui com a maior parcela da amostragem, 32,7%, seguido de Minas (13,6%) e Paraná (13,3%). Que quase três quartos dos pesquisados (73 %) cursaram ensino superior. Principalmente administração de empresas. Objetivo dos 553: ficar entre dois e cinco anos. Os setores em que os 553 mais exercem suas atividades: hotel, bar, restaurante, limpeza e serviços ao consumidor. Os 553 não pretendem uma estada em Londres menor que 2 anos (29 %) ou maior que 5 (28,2%). Os bairros prediletos dos 553 ficam na inner city (cinturão interno de Londres) com Hackney,Willesden, Harlesden e Seven Sisters liderando a preferência popular verde e amarela. . Um trabalho caprichado que dá gosto. Só não explica o que eles, os 553, querem comigo ou de mim. Se for o caso, confesso-me disposto a render-me, se assim quiserem os meus - e quase que deles me aposso - 553 de Londres e minhas cercanias. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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