‘30 x Bienal’ faz releitura de mais de seis décadas de mudanças na arte brasileira

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Por Redação
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Desde sua criação, em 1951, a Bienal de São Paulo vem exercendo um papel central para o desenvolvimento das artes visuais no País. Foram mais de seis décadas – ou 30 edições – de mostras de caráter basicamente prospectivo, que buscaram apresentar o que estava se fazendo de novo na cena mundial e, mais especificamente, brasileira. Olhar para esse passado é o que se propõe a mostra 30 x Bienal, que abre nesta quinta (18) para convidados e sábado para o público. Trata-se de uma iniciativa de fôlego, com cerca de 250 obras de 111 autores ocupando os dois últimos pisos do Pavilhão da Bienal, no Parque do Ibirapuera.

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Evidentemente, todo esforço de síntese é necessariamente excludente. Ainda mais diante de tantas possibilidades de leitura, já que foram contabilizadas mais de 5,8 mil participações brasileiras ao longo do tempo. A seleção proposta por Paulo Venâncio Filho, curador convidado pela direção da Bienal para fazer essa releitura, parte de critérios ao mesmo tempo cronológicos e evocativos das transformações vivenciadas pela arte brasileira no período.

Para buscar um maior equilíbrio, o crítico carioca criou para si mesmo algumas regras de conduta, como a opção por não incluir artistas pertencentes ao primeiro modernismo, iniciando as escolhas pelas gerações influenciadas de alguma forma pelos debates trazidos pela Bienal, sobretudo pela eclosão do abstracionismo. Outros aspectos importantes foram o desejo de exibir obras que efetivamente participaram de uma edição do evento (o que nem sempre foi possível por causa da inexistência de registros ou de dificuldades de empréstimo) e a busca por uma certa sintonia entre os trabalhos.

A arquitetura da exposição, assinada por Felipe Tassara, veio complementar essa proposta de estabelecer uma certa linearidade, criando uma espécie de fluxo histórico pelo prédio. Trata-se de uma museografia bastante aberta e sinuosa, que procura ecoar a arquitetura do prédio. Afinal, como lembra Venâncio, a arquitetura de Oscar Niemeyer é “a única coisa que permanece estável na instituição desde a 4.ª edição”. A mesma ideia de fluxo marca ainda o trabalho desenvolvido pelo setor educativo, à disposição do público e das escolas até o encerramento da exposição, em 8 de dezembro.

Apesar do caráter historiográfico, a mostra não procurou se ater a regras cronológicas estritas, segmentações geográficas ou de linguagem. Após se deparar logo na entrada com a Bolha Amarela enorme inflável de Marcello Nitsche presente na Bienal de 1969, o visitante segue pela rampa até o segundo andar e passa a percorrer uma espécie de trajeto invertido.

Além de critérios de preservação – foi necessário pensar a montagem de forma a colocar as peças mais antigas, delicadas ou valiosas no espaço climatizado ao fundo do terceiro andar, ou seja, ao término do percurso –, esse movimento de recuo no tempo corresponderia, segundo o curador, a seu próprio ponto de vista, o de “olhar retrospectivamente a partir da atualidade”.

Venâncio Filho enfatiza que ao longo desse caminho procurou abrir espaços para o diálogo, estabelecendo relações ora de sintonia ora de contraste. Se a primeira manifestação fica evidente em diversas situações – como nas claras aproximações entre Tetraedros Superpostos, de Sérvulo Esmeraldo, e Peça para Máquina de Tração Imaginária, de José Damasceno, ou entre as telas de Paulo Pasta e Sergio Sister –, são muito raros os casos de atrito entre trabalhos ou núcleos, o que acaba dando uma sensação de falsa harmonia, mascarando de certa forma as vívidas e estimulantes tensões pelas quais a Bienal tem passado e criando uma visão apaziguada da história da arte.

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As tensões e discórdias, que acompanharam – com vívidos debates e acaloradas discussões – a trajetória do evento e a arte brasileira do período fica mais aparente no catálogo, que reúne uma coletânea da recepção crítica das diversas edições da mostra.

Em 30 x Bienal, a maioria dos artistas está representada por apenas uma obra. Alguns tiveram a sorte de comparecer com criações de grande impacto, como as gaúchas Regina Silveira e Lucia Koch. Ou ainda Mira Schendel, representada por Ondas Paradas da Probabilidade, de 1969, uma das poucas instalações da seleção – que traz predominantemente peças menores – e certamente um de seus destaques. Outros comparecem com peças pontuais que não permitem que se tenha uma noção do conjunto de sua poética, como no caso do pernambucano Paulo Bruscky.

No entanto, figuras como Hélio Oiticica e Lygia Clark acabam adquirindo um certo protagonismo que, segundo Venâncio Filho não foi intencional, mas que talvez reflita uma certa segmentação que o curador vê no período trabalhado. Para ele, há um primeiro bloco, que vai até os anos 1970, em que as consagrações já são consensuais. Nas três décadas seguintes, reflete ele, ainda estariam à espera de uma confirmação histórica.

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