30.ª Bienal de São Paulo apresenta novos artistas

Sob o título 'A Iminência das Poéticas', mostra vai ser inaugurada para o público em 7 de setembro

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Por Camila Molina - O Estado de S.Paulo
Atualização:

“Hoje pude andar por detrás das paredes”, diz a artista Nydia Negromonte - e ainda, naquele dia, desvendar o teto e encanamentos do pavilhão da Fundação Bienal de São Paulo, no Parque Ibirapuera. Há duas semanas, Nydia fez a primeira visita de trabalho ao prédio onde ocorrerá a 30.ª Bienal de São Paulo que, sob o título A Iminência das Poéticas, vai ser inaugurada para o público em 7 de setembro.

A artista, que vive em Belo Horizonte, é uma das participantes da mostra e prepara a obra Hídrica: Episódios, uma instalação criada a partir do sistema hidráulico do grande edifício projetado na década de 1950 por Oscar Niemeyer. Trata-se de um projeto complexo e delicado, feito a partir da caixa d’água central do prédio. “O trabalho vai tornar visível o fluxo da água, será um desenho do invisível”, conta Nydia ao Estado. Engenheiros e arquitetos vão colaborar com ela na concretização de sua instalação para a mostra, a primeira Bienal de sua carreira. “A artista faz dos vestígios da matéria e dos espaços intersticiais do ambiente de instauração de sua obra uma plataforma para pensar a impermanência dos gestos e das coisas”, define o cocurador da 30.ª Bienal de São Paulo, o gaúcho André Severo. No trabalho Hídrica: Episódios, a “água pública” que percorre os canos do prédio da Bienal vai abastecer uma série de “episódios” propostos ao público pela artista, muitos deles, ações simples. “As pessoas vão acessar o trabalho a partir da manipulação direta com a água. Por exemplo, mesmo que não a beba, terá a oportunidade de acessá-la na medida em que visualiza o desenho de seu fluxo, ou ainda, pode ser até que se tenha mangueiras para aguar o jardim do pavilhão”, enumera a artista. Sua proposta, como diz Severo, desvela “as qualidades poéticas escondidas nas sobrecamadas materiais de espaços determinados”. Em março, quando o curador-geral da 30.ª Bienal, o venezuelano Luis Pérez-Oramas, anunciou a lista dos 110 artistas participantes da edição da mostra, ele afirmou que cerca de 60% das obras seriam inéditas ou criadas especialmente para a exposição. O trabalho Hídrica: Episódios é uma das instalações comissionadas para o evento, que ainda vai apresentar criações em outros espaços da cidade que não apenas o Pavilhão da Bienal no Ibirapuera, como a Casa Modernista, a Capela do Morumbi e o Masp. Mas Nydia Negromonte não vai participar da 30.ª Bienal apenas com a instalação feita a partir da caixa d’água do pavilhão. Até o fim do mês, ela expõe uma versão inicial desse projeto em outro edifício projetado por Niemeyer, o Museu de Arte da Pampulha, em Belo Horizonte. Há ainda outra proposta - “embrionária”, conforme definição da própria artista - a ser exibida na Bienal: obras da série Lição de Coisas, uma instalação iniciada em 2009, na qual ela articula a apropriação de gravuras e ilustrações de um livro homônimo, uma edição francesa da década de 1940, com fotografias de álbuns de sua família datados dos anos 1930 aos 60. “É um trabalho construído a partir da justaposição de duas imagens que, geralmente, mostram situações coincidentes”, conta a artista. “Nydia articula duas coisas que me interessam muito: é uma obra baseada numa memória arqueológica e em como a noção de arquivo se atualiza no funcionamento de um trabalho e, ao mesmo tempo, sua criação lida com a fluidez material através da água e da arquitetura, em como a fluidez da memória é construção a partir de fundamentos que são incertos”, diz Oramas. “Percebi que os curadores não estavam interessados em apenas uma obra. Ao apresentar um conjunto de trabalhos, o público pode perceber muito mais a pesquisa do artista do que o produto finalizado”, afirma Nydia, que nasceu em 1965 em Lima, Peru, mas vive no Brasil desde os 2 anos.Mecanização da pintura A curadoria da 30.ª Bienal de São Paulo apostou em selecionar uma maioria de artistas emergentes e de consagrados pouco vistos ou desconhecidos do público brasileiro, o que já revela um projeto dedicado ao frescor. O pintor francês Bernard Frize é um dos participantes que o curador Luis Pérez-Oramas celebra como um dos criadores mais interessantes da pintura contemporânea. “Sou um admirador de sua obra há muitos anos”, comenta o curador. “Frize levanta a questão da autoria, da autoria coletiva, em que a imagem é sempre arqueológica, fala sobre a automatização do mecanismo de produção do quadro, temas relevantes hoje”. “Recebi uma visita de todo o time curatorial da 30.ª Bienal em meu ateliê (em Paris) e Oramas, que não conhecia, disse-me que acompanhava minha obra desde os anos 1980”, conta Frize. “Olhamos muitas pinturas, tanto antigas quanto recentes, e Luis (Oramas) decidiu que seria interessante exibir um grande número delas. Fizemos a seleção juntos”, diz o pintor. Avesso a discorrer sobre sua pesquisa pictórica no contexto da mostra brasileira - “deixo para os curadores pensarem sobre a questão político-poética da exposição e o lugar de minha obra nela” -, Frize estará representado na 30.ª Bienal com cerca de 30 a 40 obras, “pinturas grandes”, diz Oramas, criadas desde o início dos anos 80 - entre elas, inéditas, realizadas para a exposição. O artista, nascido em 1954, iniciou sua carreira na década de 1970. Pelo princípio da mecanização do fazer pictórico - feito a partir de técnicas diversas -, Bernard Frize chega até mesmo a colocar a pintura como “ready-made”, já destacou a crítica Eva Wittocx.A reprodução de um ateliê Lucia Laguna, que vive no Rio, começou a pintar aos 54 anos. Nascida em 1941, em Campos dos Goytacazes, cidade fluminense, ela despontou no cenário artístico quando participou da edição de 2005/2006 do programa Rumos Artes Visuais Itaú Cultural. Agora, está entre os artistas convidados da 30.ª Bienal. Lucia conta que todas as obras que vai exibir no evento foram criadas especialmente para a ocasião. “Digo isto com muito orgulho, pois não parei de trabalhar desde que fui convidada”. “Não pensei em título, mas o conceito de constelação (do projeto curatorial) me agrada muito. Na verdade, conceitualmente vou reproduzir o espaço do meu ateliê na sala que me for destinada”, diz a pintora. “Desde o início penso a pintura como ato, o fazer é o que me interessa e o que me move. E aquilo que está à minha volta, o lugar de trabalho, a janela , casa no subúrbio do Rio de Janeiro, o jardim, enfim, meu entorno é a parte do mundo onde estou inserida. O espaço urbano atual é a minha fonte de expressão. Não poderia ser diferente. Por isso, quando os curadores propuseram aos artistas trabalhar sobre ‘As Iminências das Poéticas’, atos que estão prestes a transbordar, que ‘são imprevisíveis’, que ‘se nutrem de uma memória orgânica’, me vi fazendo parte deste discurso”, continua a artista. “É uma obra que começa de maneira coletiva com a sobreposição de imagens”, afirma o curador Luis Pérez-Oramas. A pintura de Lucia Laguna é como uma paisagem interior/exterior. Além dela, o carioca Eduardo Berliner, nascido em 1978, é o outro destaque brasileiro de pintura na 30.ª Bienal.

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