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17 x Nelson reúne cenas de peças de Nelson Rodrigues

Elenco mostra compreensão da obra, cria boas imagens, mas esbarra no texto

Por Agencia Estado
Atualização:

Dificilmente poderia não resultar irregular um espetáculo como 17 x Nelson - O Inferno de Todos Nós, que reúne, em ordem cronológica, 17 cenas, uma de cada das 17 peças de Nelson Rodrigues. Dirigida por Nelson Baskerville, com nove atores de diferentes níveis de experiência, essa ambiciosa montagem tem saldo positivo e surpreende mais pela força poética de alguns momentos, do que pelas fragilidades. A encenação trabalha sobre dois movimentos. Ora convoca o espectador ao envolvimento para conduzi-lo a um mergulho na psique humana, ora provoca seu distanciamento, buscando a inserção da obra no contexto social em que foi criada. Em ambos, há acertos e falhas. No primeiro movimento, por exemplo, é nada menos que brilhante a concepção para o monólogo Valsa n.º 6, quando todo o elenco está no palco para dar ?forma?, num coro de bonecos, à voz interior da menina assassinada que tenta compreender o que lhe aconteceu. Na realização dessa cena, tudo - direção, elenco, figurinos, cenografia - converge para um resultado que une clareza, poesia, significação e humor. O recurso da mímica vocal mantém a idéia do monólogo interior ao mesmo tempo em que o coro traz para o palco as vozes do senso comum, carregadas de preconceitos, supostamente ouvidas pela menina no próprio velório. No segundo movimento, um corte dramatúrgico é responsável por outro momento brilhante. Com muita acuidade, o diretor tornou simultâneas para o público duas cenas da peça O Beijo no Asfalto - dois interrogatórios policiais; no primeiro, realizado dentro dos limites legais, a violência é potencial; no segundo, feito em local clandestino, a truculência explode. Cria-se sobre isso uma conexão clara, precisa, plena de significado com a cultura de violência institucional que se instaura a partir do golpe militar de 1964. O inferno do título está sugerido na cenografia, que toma todo o espaço do subsolo, mas sobretudo orienta a escolha das cenas de cada peça. São sempre aquelas em que o ser humano se debate com seus impulsos e desejos mais primevos, que uma vez libertos resultam em tragédia: incesto, assassinato, suicídio. Naturalmente, isso exige dos atores uma atuação intensa, e o resultado nem sempre é positivo. Já vai longe o tempo em que as palavras eram o principal elemento de um espetáculo. Em 17 x Nelson, tão significativas quanto as palavras são as imagens criadas pela cenografia, pelo corpo dos atores, pela movimentação. Mas sem dúvida, para o elenco, as palavras são o elemento mais difícil de lidar. O grupo alcançou, visivelmente, um ótimo nível de compreensão do que faz. Mas faltou o trabalho miúdo sobre as palavras. A jovem atriz Anna Cecília Junqueira, por exemplo, dá conta plenamente de seu texto em Valsa n.º 6, mas como Alaíde, em Vestido de Noiva - mais uma das cenas bem realizadas desse espetáculo - joga fora seu diálogo, numa seqüência de frases ditas de forma acelerada, sem nuances, vazias de sentido. O mesmo se dá, nesse momento, com Flavia Lorenzi como Lúcia, que se sai melhor como Glória, em Álbum de Família. Mesmo os experientes José Ferro e Adilson Azevedo erram pelo excesso de gritos na cena do interrogatório, enfraquecendo o clima de ameaça. No entanto Ferro usa melhores recursos como Tio Raul, em Perdoa-me, assim como Azevedo no papel de Herculano, em Toda Nudez. Camila Rafanti se sai melhor como Madame Clessi do que como Lígia, de A Serpente. São oscilações constantes nessa montagem que mereceria cortes e novo tratamento. 17 X Nelson - O Inferno de Todos Nós. 110 min. 14 anos. Teatro Fábrica São Paulo. (70 lug.). R. da Consolação, 1.623, Consolação, 3255-5922, metrô Consolação. Sáb., 19 horas; dom., 18 horas. R$ 20. Até 30/4. Recomendada.

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