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Zhang Yang filma a complexa China atual

Abandono do Sucesso, do diretor de Banhos, retrata o país invadido pelo rock e as drogas por meio da história real do ator Jia Hong-sheng

Por Agencia Estado
Atualização:

Zhang Yang: você guardou este nome, com certeza. Como esquecer o diretor do sensível Banhos, um filme chinês que deu banho de delicadeza e humanismo há dois anos? Há duas boas surpresas a relatar. A primeira é que Zhang Yang está de volta, com novo filme. A segunda é que Abandono do Sucesso, que estréia nesta sexta-feira, é a confirmação de um singular talento como realizador. Zhang Yang conversou com a Agência Estado pelo telefone. Como não fala inglês, a entrevista teve de ser feita de forma triangular. O repórter falava com um assessor, que facilitava a tradução. Não há dificuldade que impeça o prazer que é conversar com um diretor tão bom. Abandono do Sucesso baseia-se numa história real ocorrida na China, no começo dos anos 1990. O próprio Yang diz que é sua pequena tragédia familiar (o pequena é dele mesmo) mostra como a fé, o humor e, acima de tudo, a esperança podem ser armas definitivas contra a adversidade. O filme conta a história de Jia Hong-sheng, astro que ficou famoso interpretando gângsteres em filmes de ação de Hong Kong. Ao fazer, no teatro, a versão chinesa de O Beijo da Mulher-Aranha, ele virou o ator preferido dos diretores da chamada sexta geração. Envolvendo-se com drogas, ele iniciou uma viagem alucinada. Trancou-se num apartamento e, afastado dos amigos, drogava-se cada vez mais, viajando nas imagens e nos sons de seus vídeos e CDs preferidos. Seria uma viagem sem volta se Hong-sheng não tivesse recebido o apoio visceral dos pais. Yang conta que Abandono do Sucesso é um filme que explora problemas reais e sentimentos humanos - é isso que o interessa no cinema, como ele já havia mostrado em Banhos. "É uma história real sobre pessoas em crise e, por meio dela, acredito que possa fazer um comentário sobre a sociedade chinesa contemporânea". Ele diz que a China mudou muito, e rapidamente, na passagem da estrutura feudal para a revolução de Mao. Mudou mais ainda na transição para o neocapitalismo. Valores, crenças, estruturas políticas e familiares, tudo foi colocado em xeque. Foi nesse processo que Hong-sheng se envolveu com as drogas. Elas irromperam no movimento artístico chinês por volta de 1990. Antes, podiam ser usadas moderadamente e o ópio sempre fez parte da cultura do país, mas as drogas viraram o alimento da classe artística, contestadora por natureza. "O melhor que podia ter ocorrido comigo foi encontrar pessoas dispostas a representar o papel delas mesmas; pessoas sem medo de se expor na tela; isso é complicado numa sociedade ainda tão marcada pela repressão como a chinesa". E ele acrescenta: "O capitalismo não nos livrou de estruturas opressivas; elas continuam exercendo sua força contra nós". Essa é uma história que só poderia ocorrer entre jovens, na China modernizada e que tenta copiar o Ocidente. Hong-sheng é usado como símbolo. "É a história dele, mas não é muito diferente assim da história das demais pessoas da minha geração; cada um de nós pode se projetar na experiência dele, por mais que Hong-sheng tenha radicalizado o que alguns de nós tentávamos levar de maneira mais leve". O rock, a cultura pop ocidental, as drogas, tudo isso entrou de repente na vida chinesa e com um impacto muito forte, avalia o diretor. "O problema com Hong-sheng é que a sua fragilidade mental o arrastou num turbilhão dificilmente controlável". Para Yang, era importante fazer um filme verdadeiro, com as pessoas nos próprios papéis - Hong-sheng, por exemplo. Mas ele nunca quis fazer um documentário. Demorei sete anos para contar essa história; entrevistei muitas pessoas até definir a linha narrativa que está na tela. Ele acha que o fato de a história ser real, interpretada pelas pessoas que a viveram, aproximou mais Abandono do Sucesso das platéias chinesas. O filme foi um grande êxito na China. Teve 30 milhões de espectadores, mas Yang minimiza o número: Afinal, somos 1 bilhão, aqui. Para Hong-sheng, ele só tem elogios: "Sua busca continua até hoje. É uma pessoa que não pára de fazer perguntas a si mesmo. Seu compromisso com a realidade chinesa e as pessoas da sua geração fazem dele um personagem maravilhoso". Serviço - Abandono do Sucesso (Quitting). Drama. Direção de Zhang Yang. China/2001. Duração: 118 min. 12 anos

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