"Wilsinho Galiléia" é destaque de mostra no CCBB

O impactante documentário de João Batista de Andrade, censurado na década de 70, reconstitui a tragédia de um jovem marginal da favela Galiléia

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Por Agencia Estado
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Wilsinho Galiléia passa a dividir com Cabra Marcado para Morrer (apesar do atraso de duas décadas), o posto de melhor longa documental brasileiro. O filme de Eduardo Coutinho correu mundo, emocionou grandes platéias, recebeu diversos e importantes prêmios em festivais nacionais e internacionais. Já o longa-metragem de João Batista de Andrade, melhor título da retrospectiva que o CCBB dedica ao realizador mineiro-paulista, teve de esperar 24 anos para ganhar o merecido reconhecimento. A tragédia de Wilsinho Galiléia foi reconstituída em 1978 para o Globo Repórter, notável e histórico programa da Rede Globo. E que - registre-se - pouco tem a ver com as edições atuais, dedicadas obsessivamente a temas do mundo animal e vegetal e à obesidade humana. Interditado pela censura do governo Geisel, o filme caiu no limbo. Batista, claro, não se cansava de lembrar em contatos com jornalistas e estudantes, que realizara documentário de fôlego sobre um jovem marginal paulista. Só que ninguém conhecia o filme. Nem o programava. Em 2000, Amir Labaki, curador do festival É Tudo Verdade, promoveu enquete com 40 críticos, pesquisadores e realizadores de cinema em busca dos "dez melhores documentários brasileiros de todos os tempos". Os primeiros classificados foram Cabra Marcado Para Morrer, Di Glauber e Ilha das Flores. Nenhuma menção foi feita a Wilsinho Galiléia. Ficava, assim, comprovado que nem a linha de frente da pesquisa e difusão do documentário brasileiro conhecia o filme de Batista. Pois em abril, o festival É Tudo Verdade fez justiça. Programou Wilsinho Galiléia na excelente retrospectiva Cinema na TV - Globo Shell Especial e Globo Repórter. Quando a sessão terminou, o público estava surpreso. Vinte e quatro anos depois, o longa de Batista, um documentário que reconstitui a tragédia do marginal Wilson Paulino da Silva, gritava sua incômoda atualidade. Impacto - Em 1977 - portanto um ano antes de Wilsinho Galiléia - Batista realizara, para o mesmo Globo Repórter, O Caso Norte, documentário que investigava e reconstituía crime cometido pelo vigia José Joaquim Santana. Nordestino humilde, Santana chegara a São Paulo e se empregara, sem nenhum treinamento específico, na função de guardador do patrimônio alheio. Acabou matando José Antônio Moura. Ao longo de 38 minutos, o cineasta mergulhou nas causas sociais da criminalidade. O resultado causou impacto e foi exibido pela Rede Globo. Já os 62 minutos de Wilsinho Galiléia foram interditados pela censura. A história do garoto magricela, que cresceu na favela Galiléia, na periferia da maior metrópole brasileira, resultou em relato tão revelador das entranhas da estrutura social brasileira, que o jeito foi interditá-lo por inteiro. Não se exigia um corte aqui, outro ali. Era a obra, em sua integridade, que incomodava. E incomoda até hoje. Wilson Paulino da Silva tinha 15 anos quando começou a participar dos primeiros assaltos à mão armada. Morreu aos 18, com currículo criminal recheado de acusações: 20 assassinatos e perto de 500 assaltos. O filme promove seca anatomia da exclusão social à brasileira. A mãe de Wilsinho vê todos os filhos abraçados pelo crime. Os depoimentos dela são de arrepiar. O caso de Ramiro, irmão caçula de Wilsinho (aos 13 anos, já é visto pela imprensa sensacionalista como o herdeiro do mano assassinado) deixa o espectador sem lugar na cadeira. As reconstituições com atores são exatas. O filme Wilsinho Galiléia (as imagens foram captadas em 16 mm) nunca apela para o sentimentalismo barato. Nos leva, sempre, à reflexão. Ver o filme e ler o artigo Elias, Maluco?, do historiador José Murilo de Carvalho (publicado no jornal O Globo do dia 18) é preparar-se para melhor compreender este Brasil dilacerado pela violência urbana. Um Brasil que vê grande parte de seus filhos abraçar o crime, por falta de melhor opção.

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