Warner dedica caixa de DVDs a Marlon Brando

Lançamento reúne A Fórmula, Júlio César e Os Pecados de Todos Nós

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Por Agencia Estado
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Esqueça A Fórmula, que não vale grande coisa, e concentre-se nos dois outros títulos que compõem a caixa de DVDs que a Warner dedica a Marlon Brando - Júlio César, de Joseph L. Mankiewicz, de 1953, e Os Pecados de Todos Nós, de John Huston, de 1967. Ambos fornecem momentos expressivos da arte inigualável de representação do ator que morreu em 2004, aos 80 anos. A caixa custa R$ 79,90, mas os DVDs podem ser adquiridos, isoladamente, a R$ 29,90, cada. Brando irrompeu na tela, no começo dos anos 50, como a personificação da rebeldia do macho americano. Fosse como Kowalski em Uma Rua Chamada Pecado, de Elia Kazan, ou O Selvagem, de Laszlo Benedek, sua camiseta branca, a famosa T-shirt, virou emblema de quase toda a juventude americana da época, mas Brando a substituiu pela toga romana na adaptação que Mankiewicz fez da peça de Shakespeare. No ciclo das tragédias históricas de Shakespeare, Júlio César discute o poder e também o idealismo intelectual - que será o tema de Hamlet. Brutus é envolvido na teia de intrigas de Crasso e golpeia de morte o grande homem, que, ao reconhecê-lo, desiste de lutar pela vida. Diante do cadáver de César, Marco Antônio pronuncia seu célebre discurso aos romanos - e este, justamente, é o momento maior do filme de Mankiewicz. Desde Kowalski, os críticos destacavam os grunhidos como marcas muito fortes do estilo de representação de Brando, como se ele estivesse falando para dentro, ou cuspindo as palavras. O discurso de Marco Antônio marca este momento em que Brando solta a voz. A cena, como você poderá comprovar, é grandiosa. Mankiewicz, que passou à história como o cineasta da palavra, já havia ganhado duas vezes os de melhor direção e roteiro, por Quem É o Infiel?, de 1949, e A Malvada (All about Eve), de 1950. Quem assiste a esses filmes já pode constatar como, em seu cinema, a mise-en-scène passa pelo dinamismo dos diálogos. Mankiewicz, até então, criava, com uma ou outra exceção, os próprios roteiros e diálogos. Em Júlio César, seu compromisso é o de respeitar o Verbo shakespeariano. O filme é uma obra de prestígio na qual o produtor John Houseman conseguiu reunir um elenco de astros e estrelas (além de Brando, James Mason, Louis Calhern, John Gielgud, Greer Garson, Deborah Kerr, Edmund O´Brien), mas o próprio Mankiewicz de alguma forma sabia que Júlio César precisava ser refeito, com mais liberdade - e o refez, na primeira parte de Cleópatra, dez anos mais tarde. O grande diretor teve tantos problemas com a empresa produtora e distribuidora Fox durante a realização do seu épico romântico sobre a rainha do Nilo que desenvolveu uma espécie de ódio por Cleópatra, ao qual não se referia pelo título, mas sempre como "aquele filme". A primeira parte trata da ligação de Cleópatra com Júlio César e a sua elevação, por meio do grande homem, ao plano dos deuses. A entrada triunfal em Roma representa o ponto mais alto a que ela pode chegar. O assassinato de César destrói a ascensão e a joga, por meio da outra ligação, com Marco Antônio, ao plano comum dos mortais. A tragédia de Marco Antônio é que ele não é um grande homem, como César. Como demonstrá-lo? Ao contrário do que ocorre em Júlio César, quando Richard Burton, que faz o papel, inicia seu discurso aos romanos, Mankiewicz afasta a câmera e superpõe às palavras o rumor da multidão, encerrando seu travelling com o primeiro plano da figura do camareiro mudo do imperador. Exatamente 14 anos mais tarde, é outra fala de Brando que marca Os Pecados de Todos Nós. Brando não foi a primeira escolha do diretor John Huston para o papel. Huston queria, ou ia, fazer o filme com Montgomery Clift, mas ele morreu e Brando aceitou substituí-lo. Pode parecer cruel com Clift, mas foi melhor assim. O ator deu outra dimensão à figura do militar enrustido que sai do armário nessa cena impressionante em que dá uma aula para recrutas e começa a tergiversar, falando basicamente, mas de maneira metafórica, sobre o seu desejo pelo soldado que quer cavalgar o cavalo de sua mulher (a personagem de Elizabeth Taylor). Desta vez, voltam os grunhidos de Brando, a voz estilhaçada, interiorizada, como se ele falasse para dentro, para si mesmo. O solilóquio antecipa os monólogos do ator em O Último Tango em Paris, de Bernardo Bertolucci, cinco anos mais tarde. Huston já havia dirigido filmes importantes (e até recebido o Oscar da categoria por O Tesouro de Sierra Madre, em 1948), mas algo se passou quando fez Freud, Além da Alma, em 1962. A descoberta da psicanálise liberou-o para fazer não apenas Os Pecados de Todos Nós, mas também outro grande filme, A Noite do Iguana, adaptado de Tennessee Williams, que a Warner também está colocando à venda (R$ 29,90), para colecionadores, neste mês de dezembro. Os Pecados baseia-se no romance Reflections in a Golden Eye, de Carson McCullers. Em época de paz, não acontece muita coisa num forte militar, adverte a autora, mas ela própria se desmente ao revelar um mundo de paixões delirantes e explosivas, no qual o homossexualismo assumido do personagem de Brando deflagra uma tragédia. O ator ganhou duas vezes o Oscar - em 1954, pelo pugilista Terry Malloy de Sindicato de Ladrões, de Elia Kazan; e em 1972 pelo Don Corleone de O Poderoso Chefão, de Francis Ford Coppola. Por melhores que sejam estas (e outras) interpretações, como a de Kowalski, Brando fornece, nas falas dos filmes de Mankiewicz e Huston, uma espécie de súmula de sua grande arte.

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