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"Vodka Lemon" é o cult da vez na Mostra BR

Filme é apresentado como a versão 2003 de O Estado do Cão, exemplo de uma cinematografia distante e até exótica que o evento revela

Por Agencia Estado
Atualização:

Na coletiva de apresentação da mostra deste ano, Leon Cakoff, que criou e dirige o evento, foi solicitado a dizer qual seria O Estado do Cão de 2003. A mostra tem esse perfil de pegar filmes miúras, de cinematografias distantes e até exóticas, revelando-os para o público brasileiro. O Estado do Cão foi um exemplo, há alguns anos; Vodka Lemon, também, agora. Foi o filme que Cakoff propôs como O Estado do Cão deste ano. É um belo trabalho de um diretor chamado Hiner Saleem. Dura apenas 88 minutos e é, até certo ponto, uma salada - produzido com capitais da França, da Itália, da Alemanha e da Suíça, embora seja um filme obviamente barato; falado em armênio, russo e curdo, desenrolado na fronteira gelada do Curdistão. Você sabe que a mostra deste ano homenageia diretores como Mauritz Stiller, Kiju Yoshida e Yasujiro Ozu, mas talvez se possa identificar hoje outra homenagem - a John Ford - embutida em filmes como O Risco e agora o de Saleem. Logo na abertura de Vodka Lemon, um homem dirige-se ao cemitério para conversar com a mulher que morreu. Atualiza-a com os últimos acontecimentos da vida familiar, como John Wayne fazia no clássico Legião Invencível, de 1949. Como outro filme de Ford, Paixão dos Fortes, de 1946, Saleem também faz de Vodka Lemon uma espécie de súmula sobre usos e costumes nesse lugar de fim do mundo, traçando o que não deixa de ser um painel comunitário. Até o estilo de filmar é "straight shooting", como o de Ford. Mas há uma diferença e tanto. Vodka Lemon tem uma dimensão fantástica, como Luna Papa, do cineasta do Tajiquistão Bakhtiar Khudojnazarov, outro destaque da mostra, anos atrás. O velho que conversa com a mulher morta é um nostálgico do comunismo. Alguém até lhe observa que, sob o comunismo, não havia liberdade, mas ele retruca que havia outra coisa. Essa outra coisa talvez fosse uma maior segurança social, alimentação e moradia garantidas. A mulher morta vira metáfora do comunismo. Surge uma viúva que também conversa com o ex-marido no cemitério. Há um desfecho mágico. E, antes disso, há humor. A mulher sorridente refletida no mármore da sepultura fecha a cara e exprime sua desaprovação, quando o marido começa a se aproximar da outra.

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