
27 de setembro de 2018 | 06h00
‘A Moça do Calendário’ é dirigido pela atriz e cineasta Helena Ignez
Luiz Zanin Oricchio
A Moça do Calendário parte de um roteiro de Rogério Sganzerla (1946-2004). Quem o filma é Helena Ignez, que foi casada com Rogério e com ele teve duas filhas, Djin e Sinai. O roteiro foi modificado, mas mostra as linhas de inspiração de Rogério, um dos expoentes de um cinema, que, à falta de denominação melhor, ficou conhecido como “marginal”. Aliás, essa denominação existe e deve-se ao crítico Jairo Ferreira, que o chamava de “cinema de invenção”.
Invenção é o que temos a partir do primeiro fotograma de A Moça do Calendário. Helena, atriz notável do Cinema Novo e do, vá lá, cinema de invenção (O Padre e a Moça, O Bandido da Luz Vermelha, etc.), cria a partir do roteiro e constrói sua obra com linguagem visual própria.
O protagonista é menos a personagem a que alude o título e mais o dublê de mecânico e dançarino Inácio (André Guerreiro Lopes). Alternando trabalho durante o dia e as pistas de baile à noite, Inácio sonha com a doce figura de mulher (Djin Sganzerla) estampada na parede de sua oficina. Ou seja, a garota da folhinha é uma projeção da fantasia romântica de Inácio.
Lindamente filmado, A Moça do Calendário traz sequências memoráveis de São Paulo que, magicamente, se torna uma cidade bela sob o olhar de Helena. Há um passeio de bicicleta de antologia pelas ruas da cidade – que, em certo sentido, evoca o “neorrealista” O Grande Momento, de Roberto Santos. Praças e ruas tornam-se personagens desse filme lúdico e leve, e a Praça da República é vista sob um ângulo luminoso.
Mas o que há, talvez, de mais importância a ser retido desse exercício cinematográfico, é o grau de liberdade que sua diretora se permite. Helena é um espírito livre e esse é seu estilo. Faz um cinema que não apenas evoca a liberdade, mas é libertário em sua própria linguagem. Faz-nos sonhar, pensar e sentir. Esse é o pão do espírito de que tanto necessitamos.
A classe operária não vai ao paraíso
A Fábrica de Nada
(Portugal, 2017, 176 min.)Dir. Pedro Pinho. Com Carla Galvão, Dinis Gomes, Américo Silva
Uma noite, os operários de uma fábrica de elevadores percebem que o maquinário está sendo levado do local. Este é o mote de A Fábrica de Nada, do português Pedro Pinho, olhar original sobre os desvarios do capitalismo e a (problemática) luta dos trabalhadores. À maneira de outros filmes do cinema português contemporâneo, este também é direto e politizado. Agarra a realidade pelo colarinho, mas não se contenta com formas gastas para comentá-la. É também inventivo na forma, sem cair no hermetismo. As divisões entre facções de operários, a tentativa de manipulação dos gerentes, as palavras de ordem política e a indiferença dos patrões: tudo está lá, soletrado em linguagem tão simples como inovadora. Grande filme. / L.Z.O.
Cinebiografia de Eder ganha por nocaute
10 Segundos para Vencer
(Brasil, 2017, 114 min.)Dir. de José Alvarenga Jr. Com Daniel de Oliveira, Osmar Prado
Claro que é sobre boxe – afinal, trata-se de uma cinebiografia do nosso maior campeão, Eder Jofre. Mas 10 Segundos para Vencer, de José Alvarenga Jr., também é mais que isso. Fala do comovente relacionamento entre pai e filho, no caso Eder (Daniel de Oliveira) e seu pai e treinador, Kid Jofre (Osmar Prado, iluminado). Eder veio de uma família de lutadores e deu duro para chegar ao título mundial, sob o olhar severo de Kid. O filme retrata uma São Paulo que o tempo levou, numa época de otimismo da sociedade brasileira. As lutas são bem encenadas. E a história do rapaz que de fato deu a cara a bater para conquistar o mundo é fantástica e tocante. 10 Segundos para Vencer é um Touro Indomável, com final feliz. / L.Z.O.
A violência depende de quem se manifesta
Marcha Cega
(Brasil, 2018, 88 min.)
Dir. Gabriel Di Giacomo
Em junho de 2013, o fotógrafo Sérgio Silva saiu de casa para cobrir um ato contra o aumento das passagens em São Paulo. Atingido por uma bala de borracha, perde a visão. Ele é personagem de Marcha Cega, de Gabriel Di Giacomo. Com muitas imagens de rua (e não apenas das chamadas Jornadas de Junho), e entrevistas com manifestantes e especialistas, Marcha Cega traça um panorama sombrio da ação da PM. Há policiais que reprimem com cacetadas e tiros manifestações tidas pelo Estado como indesejáveis, em outras circunstâncias outros policiais posam para selfies com as pessoas, como se viu em concentrações na Avenida Paulista pelo impeachment de Dilma. / L.Z.O.
Parábola da luta de todos contra todos
A Primeira Noite de Crime (EUA/2018, 97 min.) Dir. Gerard McMurray. C om Y’lan Noel, Lex Scott Davis, Joivan Wade
O filme anuncia um tipo de distopia política sob a forma de jogo. Um novo partido político, chamado New Founding Fathers of America, assume o poder e promove um experimento social: durante 12 horas não haverá lei e as pessoas poderão fazer o que bem entenderem. Não há obrigatoriedade de participação, mas o governo oferece US$ 5 mil a quem permanecer na cidade e prêmios para os que entrarem no jogo. Dirigido por Gerard McMurray, o filme é a quarta continuação da franquia Noite de Crime. A ideia parece ser avaliar o que significa, em experimento temporário, a ausência de Estado regulador. Ou seja, a volta àquilo que os filósofos chamavam de “estado de natureza”, a guerra de todos contra todos.
‘Sansão’, tema bíblico sempre forte
Sansão / Samson
(EUA/2017, 116 min.)Dir. Bruce Macdonald, Gabriel Sabloff. Com Taylor James, Jackson Rathbone
O velho mito bíblico de Sansão reaparece neste filme de Bruce McDonald e Gabriel Sabioff. O personagem (Taylor James) recebe de Deus o dom da força descomunal e usa cabelos longos. A cabeleira é a chave da sua força, como todos sabem. A história já foi filmada diversas vezes, inclusive por Cecil B. de Mille, um especialista em dramas bíblicos. De Mille descobriu, e a realidade nunca o desmentiu, que o Velho Testamento está repleto de histórias ótimas, cheias de ação, sedução e violência. Ou seja, de tudo que o cinema gosta e o público aprecia. De modo que, volta e meia, um novo produtor acha que não tem nada a perder ao beber na imemorial fonte das Sagradas Escrituras. Eles devem ter razão.
Em busca daquilo que de fato faz sentido
O Que de Verdade Importa
(Espanha, EUA, Canadá/2017, 113 min.)Dir. Paco Arango. Com Oliver Jackson-Cohen, Jonathan Pryce
O Que de Verdade Importa reverterá a venda de ingressos para instituições de combate ao câncer infantil. É, assim, um filme benemérito, quaisquer que sejam suas eventuais qualidades estéticas. Dirigido por Paco Arango, conta a história de Alec Bailey (Oliver Jackson-Cohen), um homem desencantado da vida, em especial depois de perder o irmão gêmeo para um câncer fatal. Alec comporta-se como se não houvesse amanhã, mas algo diferente se passa quando um tio distante surge do nada para proporcionar grandes mudanças em sua vida. Pela sinopse, a história fala do aprendizado pela experiência e trabalha na ideia de que, sem fé, a existência nada vale. Pelo visto, a trama reúne alguns temas clássicos da autoajuda e da crença religiosa.
Baldini, o Sr. Sucesso, dirige a bela Luana
O Homem Perfeito
(Brasil/2017, 90 min.) Dir. Marcus Baldini. Com Luana Piovani, Marco Luque, Sérgio Guizé
Além do sucesso Bruna Surfistinha, Marcus Baldini conseguiu o prodígio de fazer um raro blockbuster que, neste ano, não negou fogo na bilheteria – Uma Quase Dupla. Luana Piovani faz escritora que tem a vida perfeita – até descobrir que o marido tem outra, e com metade da idade dela. Crise, crise!
A emocionante saga de Pepe Mujica
Uma Noite de 12 Anos
(Uruguai, Arg., Esp./2018, 105 min.) Dir. Alvaro Brechner . Com Antonio de La Torre, Chino Darín
Luiz Carlos Merten
O diretor Brechner conta como foi emocionante apresentar esse filme e ser ovacionado pelo público em Veneza. A história do cativeiro do futuro presidente José ‘Pepe’ Mujica pela ditadura militar uruguaia tem força. Prepare seu coração.
‘Coração de Cowboy’ traduz a alma sertaneja
Coração de Cowboy
(Brasil/2018, 120 min.) Dir. Gui Pereira. Com Thaila Ayala, Gabriel Sater, Jackson Antunes
Embora tenha feito mestrado de cinema nos EUA, e ame westerns, o diretor inspirou-se na própria música sertaneja e em filmes como 2 Filhos de Francisco e A Estrada da Vida para contar sua fábula de perda e superação. Acredite – o filme é bom, e Gabriel Sater tem jeito como ator. / L.C.M.
Mito? O homem das neves ou os humanos?
PéPequeno
(EUA/2018, 96 min.)
Dir. Karey Kirkpatrick
Uma versão na contramão da história do ‘abominável homem das neves’. Você acha que é mito? Pois para o tal homem das neves, os humanos é que são mitos, e ele vai querer provar. Quem viu o trailer dificilmente vai perder a fábula, que promete agradar a adultos e crianças com sua fantasia.
Se Melissa investiga, confusão é garantida
Crimes em Happytime (EUA/2018, 91 min.) Dir. Brian Henson. Com Elizabeth Banks, Melissa McCarthy
Ex-policial une-se à antiga parceira que o levou a ser expulso da instituição para investigar quem está matando integrantes de uma série de sucesso dos anos 1980. Com a fofa Melissa McCarthy no elenco, vai ser difícil a comédia não ser divertida. As trapalhadas dela garantem boas risadas.
Princesa do musical anima comédia policial
Um Pequeno Favor
(EUA/ 2018, 118 min.) Dir. Paul Feig. Com Blake Lively, Anna Kendrick, Henry Golding
Anna Kendrick, uma das princesas dos musicais da Broadway, divide-se entre cuidar do filho e o trabalho como vlogueira. Mas, quando sua melhor amiga desaparece, ela resolve investigar. Anna é ótima, e o filme foi recebido com simpatia pela crítica. Ou seja, mais uma comédia policial para competir com Crimes em Happytime.
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