"Valentin" vê a realidade argentina por olhos infantis

Filme é o primeiro de Alejandro Agresti lançado no Brasil. História é contada por um garoto falante que sonha em ser astronauta

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Por Agencia Estado
Atualização:

Feito obviamente para ganhar o Oscar (não ganhou) nem por isso Valentin deixa de ser um belo filme. O que surpreende nele não é tanto o estilo em si, mas que venha assinado por Alejandro Agresti, um dos supostos transgressores do cinema argentino. Certo, Agresti já não é um novato e boa parte de sua carreira se fez no exterior, com tudo o que isso implica de descaracterização de propostas. Mas, de qualquer forma, ele é autor de obras estimulantes como Buenos Aires Vice-Versa e El Viento se llevó lo Que... Filmes que deixam o espectador, crítico ou não, naquela deliciosa ausência de parâmetros fáceis de comparação para julgamento. Como abordá-los?, é a pergunta que se faz diante de tais filmes. Não é o caso de Valentin. O filme, que estreou no Brasil na sexta-feira, tem uma matriz muito precisa na história recente do cinema, na figura do sueco Minha Vida de Cachorro, de Lasse Hallstrom, em que circunstâncias de vida adversa são relatadas pelo ponto de vista de uma criança que se transforma assim em narradora. Foram pelo mesmo caminho os recentes Kolya e A Vida é Bela. E, claro, o "subgênero" tem antecedentes ilustres, como O Garoto, de Chaplin, e Ladrões de Bicicletas, de De Sica. Mas sempre se pode dizer que, nesse tipo de filme, tudo depende da criança e da maneira como é dirigida. E Rodrigo Noya, que interpreta o Valentin do título, é um achado. Como não se comover com esse argentininho falante, de óculos de fundo de garrafa, que sonha em ser astronauta, tem pais separados e mora com a avó (a almodovariana Carmen Maura)? A história se passa no final dos anos 60, o que lhe dá um agradável tom retrô, com direito a passeio por "barrios" portenhos, que, dizem, não existem mais. Nessa época, fala-se da morte de Ernesto Guevara (portanto estamos em 1967) e na chegada dos americanos à Lua, em 1969. A História, com agá maiúsculo, entra com discrição na história de Valentin. Afinal, o filtro é seu olhar e o cineasta mantém esse foco. Não permite - e esse é um dos encantos do filme - que o olhar adulto intervenha, com seus comentários e suposta lucidez, na interpretação infantil dos fatos. Inútil dizer que esse tipo de filme justamente busca uma leitura menos viciada dos dados da realidade. Bastante interessante, nesse sentido, é a tematização do sentimento anti-semita, presente, em forma latente, na sociedade argentina, como aliás, em qualquer sociedade. Em nome desse olhar inteligente e sensível, podemos perdoar algumas apelações como a trilha sonora sentimentalóide, que intervém naqueles momentos precisos para chorar, típicos desse tipo de produção. Mais seco, Valentin seria mais eficiente. Mas suas qualidades pelo menos compensam defeitos mais evidentes. O filme é o primeiro de Alejandro Agresti lançado no Brasil. Apesar de já ter merecido uma retrospectiva na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, seus longas-metragens nunca chegaram ao circuito e sempre foram vistos pelos distribuidores como veneno de bilheteria. Talvez tenha sido feito também para mudar essa escrita na carreira do diretor. É bem mais comercial que seus trabalhos anteriores.

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