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Universo em transformação em 'Berenice Procura'

Filme dirigido por Allan Fiterman e baseado em livro de Garcia Roza fala de uma transexual assassinada em Copacabana.

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Quando visitou o set de Berenice Procura, no Rio – a cena filmada era a do concurso na boate –, o repórter falou com todo mundo no set, menos com Valentina Sampaio, que faz Isabelle Ela filmou sua cena e recolheu-se ao camarim improvisado. Muita intensidade. Agora, de novo, Valentina, a trans do longa de Allan Fiterman, permanece distante e misteriosa. Ela reside atualmente em Milão, onde se firmou como modelo top e é muito solicitada. Num período relativamente curto – menos de um mês –, o cinéfilo brasileiro está sendo confrontado com esse universo trans.

A trans de 'Berenice Procura': violência e intolerância Foto: Mariana Vianna

Primeiro, estreou Paraíso Perdido, de Monique Gardenberg, e a diferença é que Jaloo participou ativamente do lançamento. Valentina segue isolada. A entrevista acordada ainda não se realizou – questão de agenda e horário. É bela. Feminina, sem afetação. O filme que estreia na quinta, 28, traz um elenco estelar cercando Valentina – Cláudia Abreu, cuja foto você viu na capa, Du Moscovis, Emílio Dantas. O filme baseia-se no livro de Garcia Roza. A trans Isabelle é assassinada em Copacabana. Ao descobrir que seu filho jovem tem ligação com ela, uma taxista, Berenice/Cláudia Abreu, investiga o caso. Seu marido, Du, com quem mantém uma relação desgastada, é o repórter que cobre o caso para uma grande rede de TV. E há a atividade da polícia, claro. A dupla investigação converge para um desfecho... Assista ao filme.

Cláudia Abreu é uma taxista em'Berenice Procura': família disfuncional Foto: Mariana Vianna

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Allan Fiterman está num momento de muita atividade, mas também estava quando o repórter visitou o set. É um conceituado diretor de novelas e a Globo o liberara para realizar o filme. Agora, é o inverso. Ele lança Berenice Procura e prepara a próxima novela das 9 – O Sétimo Guardião, texto fantástico de Aguinaldo Silva, sobre um gato, felino de quatro patas, que guarda uma fonte muito especial. Berenice Procura não nasceu como projeto de Fiterman. Uma amiga o recomendou para a produtora Elisa Tolomelli. Curiosa, a trajetória do diretor. “Queria fazer cinema e fui estudar em Los Angeles. Quando voltei ao Brasil, finalizando um primeiro longa que fiz com Marília Pêra, fui parar na Globo. Lá, dirigi A Força do Querer, que fez história ao abordar o universo trans.”

Mas em A Força do Querer, o núcleo que Fiterman dirigiu, e muito bem, foi o do morro, com Juliana Paes e Emílio Dantas, que volta em Berenice Procura. Tem diferença entre dirigir para cinema e TV? “As pessoas têm preconceito (com a televisão), mas, para mim, o problema é menos o veículo e muito mais a relevância social das questões que você aborda. A Força do Querer deu o que falar. Espero que Berenice também repercuta.” Seu desafio? “Quando cheguei, o roteiro era muito mais extenso, e disperso, com mais de 100 páginas. Consegui convencer a Elisa de que não conseguiria filmar em um mês. Fiz um trabalho de enxugar. Naquele roteiro, Du e Cláudia moravam em casas separadas. Eu os juntei porque queria mostrar que uma família dita normal, com pai, mãe e filho, pode ser mais disfuncional que outra formada pelo afeto, com pessoas cujo comportamento foge às normas.”

O repórter lembra Tudo Sobre Minha Mãe e pergunta se foi referência – “Puxa vida, agora você pegou pesado. “(Pedro) Almodóvar! Quem sou eu para querer me comparar a ele? Mas, sim, é essa disfuncionalidade funcional, uma nova família, que me interessou nessa história, embora a origem do fascínio de tudo foi a possibilidade de tratar do universo trasns. Acho da maior importância, nesse Brasil retrógrado e conservador em que estamos vivendo. Sinto que há esperança. Se a TV, um meio massivo, consegue tratar do tema, o cinema deve ir mais longe.” É o que ele tenta, e consegue, fazer em seu thriller. “Ele é a base, mas o tempo todo me preocupei em fazer com que o suspense fosse uma ferramenta para o drama da família.” As revelações explodem numa cena de descontrole emocional no chuveiro. Olha o spoiler. “Nunca duvidei do potencial do meu elenco, mas a cena me surpreendeu”, avalia.

Valentina? “É especial, iluminada.” Mas o diretor pede segredo – lá vai o repórter contar – da cena de sexo frontal, porque pessoas trans têm uma identidade de gênero diferente de seu sexo atribuído, e convivem mal com ele. A cena, preparem-se, é forte. E agora, Allan? “Dessa vez vou fazer a direção geral da novela O Sétimo Guardião. Estou siderado pelo mundo fantástico do Aguinaldo (Silva) e com um problema. Tenho todo um elenco já escalado, Marina Ruy Barbosa, Bruno Gagliasso, Tony Ramos, mas o gato vai virar homem. Isso vai ocorrer só no capítulo 58. Começo a gravar logo, mas o problema maior é esse. Quem vai ser meu gato?”

Entrevista com Cláudia Abreu: “Como artista, luto contra o preconceito”

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Supermãe de três meninos de 6 a 11 anos, mais a enteada, que ama, Cláudia Abreu está em todas – no teatro, com PI – Panorâmica Insana; na TV, com Belíssima; e nos cinemas, a partir de quinta, 28, com Berenice Procura.

Por que fazer a taxista de ‘Berenice Procura’? Porque é uma guerreira, uma mulher comum, nada glamourosa, que vive esse momento particular de recuperar a confiança e o afeto do filho. Sou mãe, adoro meus filhos e esse é um tema que, muito naturalmente, mexe comigo. E tinha, claro, o mundo trans. Sou fascinada por esse universo transformista e acho um privilégio que o cinema me permita abordar esse mundo com a compreensão que a Berenice adquire. É o que está faltando no Brasil. O País está muito preconceituoso e, como artistas, temos de lutar contra isso.

Você também está na novela Belíssima, de Sílvio de Abreu, no Vale a Pena Ver de Novo... Cara, é a maior coincidência, e eu estou adorando. Belíssima emenda com Celebridade, outra novela que eu fiz, com texto do Gilberto Braga. Gilberto me deu uma vilã deliciosa, que o público adorou, e a coincidência é que o papel em Belíssima não pode ser mais diferente. Gravamos na Grécia, uma tragédia. Quando matam meu marido a tiros, tenho de gritar em grego. (NR – Quando conversou com o repórter, nem Claudia nem ele sabiam que a cena seria suavizada e descaracterizada em relação ao original, ao passar na sexta, 22. O fato repercutiu nas redes sociais, com muitas críticas.)

E o teatro? Queria muito voltar ao teatro adulto, depois de ter refeito, para meus filhos, Pluft, O Fantasminha. Sou ligada no infantil. Escrevi, com a Flávia (Lins e Silva), o Valentins, atração do canal Gloob. Foi um projeto que a gente criou do zero, sem se basear em nada, muito bacana. Para o teatro adulto, voltei-me para a minha mentora. A Bia (Lessa) sempre me propõe coisas novas, desafiadoras.

E a boa forma? Você acha? O segredo é ser feliz.

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