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Uma trajetória curta, mas marcante

Dois filmes de Luís Carlos Person, cuja obra pode ser revista em mostra no CCBB, fizeram sua fama: São Paulo S.A. e o O Caso dos Irmãos Naves

Por Agencia Estado
Atualização:

A visão de conjunto da obra de Person permite dois tipos de observação - não necessariamente excludentes. Você pode prestar atenção na diversidade de estilos e temáticas e/ou concentrar-se nos dois títulos principais - São Paulo S.A. e o O Caso dos Irmãos Naves - e neste caso contentar-se com a qualidade de ambos. A obra, pequena, encerrada por uma morte prematura, não permite muita especulação. Para onde teria ido Person se não tivesse morrido num acidente de carro, em 1976, com apenas 40 anos? Impossível responder, mas a pergunta vale. Teria aprofundado a análise da violência política e da alienação, presentes nos seus filmes principais, ou explorado mais a veia cômica de Marido Barra Limpa ou Cassy Jones, o Magnífico Sedutor? O primeiro é renegado por Person e reaparece agora, depois de 30 anos ausente da tela; o segundo tem sido considerado um passo fraco na trajetória de um artista forte. São figuras excêntricas no interior de uma obra sólida ou, pelo contrário, ajudam a compreender o conjunto de uma obra problemática? São perguntas que ficam para ser respondidas depois de encerrada essa oportuna reavaliação. E tanto mais oportuna quando mesmo os títulos consagrados de Person andam esquecidos. No entanto, os problemas, e a linguagem usada para tratá-los, não envelheceram. Certo, por comparação com o que existe hoje, podemos achar amena a cidade retratada naquele início dos anos 60 - a produção de São Paulo S.A. é de 1964. A cidade já era nervosa, caótica, impiedosa, embora estivesse longe de se transformar na babilônia monstruosa em que se vive agora. Mas era um início de processo, muito bem flagrado por Person. O título em si já mostra a criativa ambigüidade com que o tema será tratado. Fala de uma cidade concebida como empresa e portanto voltada para a produtividade e não para o bem-estar. E fala, ao mesmo tempo, do anonimato em que caem os habitantes da sociedade industrial. A época é a da instalação acelerada da indústria automobilística, entre o fim dos anos 50 e começo dos 60. Walmor Chagas faz o herói problemático dessa saga tanto intimista quanto política, e Otelo Zeloni é seu complemento e seu contrário, o homem sem escrúpulos de consciência, que vem ao mundo para vencer a qualquer custo. A temática não impressiona tanto quanto o rigor de sua exposição. Aí sim, e não apenas na escolha dos assuntos adequados, se vê a mão e o cérebro de um grande cineasta. São Paulo S.A. talvez seja, ao lado de Os Cafajestes, de Ruy Guerra, o filme brasileiro mais influenciado pela nouvelle vague. Esse diálogo entra na composição cool dos personagens, na angulação elegante e na livre mobilidade da câmera, nas arritmias internas, na fragmentação do tempo da narrativa - quer dizer, na maneira não-linear de contar essa história de um rapaz que deseja apenas se dar bem na vida mas acaba perdendo a alma. Trata-se de um belíssimo filme, pensado e concebido na agonia de um período democrático. O Caso dos Irmãos Naves é de 1967. O País já vive em regime de exceção e prepara-se para mergulhar na longa noite do AI-5. É nesse ambiente que faz sentido a rememoração de um erro judiciário acontecido em Araguari, MG, durante a ditadura Vargas. Ao contrário da sofisticação de São Paulo S.A., Person prefere agora a narrativa despojada para expor a arbitrariedade policial e as torturas infligidas a presos pobres que não têm como se defender. As cenas, exemplares, às vezes duras de suportar, parecem pedir algum comentário sobre os problemas éticos implicados quando se retrata a violência na tela. Não parece atual?

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