"Uma Outra Cidade", a São Paulo de Ugo Giorgetti

Diretor finaliza documentário sobre a cidade de São Paulo nos anos 60 a partir de depoimentos de cinco poetas que viveram e movimentaram a cena paulistana

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Por Agencia Estado
Atualização:

Ugo Giorgetti é assumidamente um cineasta da urbe. Seus filmes expõem as minúcias e os tipos da cidade com desenvoltura e muita franqueza. E suas histórias paulistanas são sempre bem costuradas por uma fina ironia. Numa primeira análise, Giorgetti pode parecer um admirador da paulicéia, um ufano apreciador de sua gente e seus lugares. Porém, "eu detesto isso aqui", adverte ele. "Esta cidade está quase insuportável de viver, sua degradação é crescente", desabafa, explicando que, na realidade, procura em suas obras fazer uma crítica bem-humorada da cidade. No caso de seu último filme - o documentário Uma Outra Cidade, Poesia e Vida em São Paulo nos Anos 60 - faz uma crítica com um olhar nostálgico. Mais que isso, Giorgetti homenageia uma outra São Paulo, a efervescente cidade em que viveu a mocidade quatro década atrás. Os condutores dessa história são cinco poetas que agitavam a cena na época: Roberto Piva, Jorge Mautner, Antônio Fernando de Franceschi, Rodrigo de Haro e Cláudio Viller. O filme está sendo finalizado nesta semana e foi realizado em parceria com a TV Cultura. "Lembrar aquela cidade que perdemos, trazer às pessoas o que São Paulo foi, é também uma crítica que se basta sem precisar mostrar o que hoje ela é", aponta Giorgetti. O diretor já fez outros três documentários, dois deles também em memória a coisas tradicionais paulistanas (o curta Campos Elíseos e o média São Bento, 405, sobre o edifício Martinelli). Outro ponto que influenciou na escolha de Giorgetti para o tema foi sua impressão do valor cultural da cidade na época. Na sua opinião, São Paulo era na década de 60 o mais importante pólo cultural no mundo, maior até mesmo que Nova York. Mais: essa riqueza se estenderia, para o diretor, até os dias de hoje. "Lógico, em Nova York você encontra todo tipo de coisa, mas sob o manto da língua inglesa. As livrarias de língua estrangeira por lá, como a francesa, não são um quinto do que há por aqui", afirma. Lembra também o exemplo do cinema japonês que, principalmente nos anos 60, contava com grandes espaços de exibição na cidade, como o Cine Niterói. Arquivo/AECom exceção de Jorge Mautner, mais evidente graças à carreira musical, os outros poetas tiveram pouco destaque na mídia Os poetas - amigos de longa data de Giorgetti - também foram um motivo primordial para o documentário. "Essa geração não teve até hoje a devida atenção que merecem", opina. Com exceção de Jorge Mautner, mais evidente graças à carreira musical, os outros poetas tiveram pouco destaque na mídia e também no meio literário. "Apesar de serem imbuídos de uma carga poética muito forte, eles pouco se preocuparam em aparecer, não estavam nem aí", lembra o diretor, sem esquecer que muito desse deslocamento também se deve à ditadura militar, que na época calava qualquer voz considerada minimamente subversiva. "Aparentemente neutros, na verdade, pois não se colocavam próximos à direita, ou mesmo à esquerda. Eqüidistantes e tangentes a estes extremos, eram pouco compreendidos e, por isso, isolados". Falavam de tabus sem receios, igreja, homossexualismo, com referências futuristas, niilistas até, e eram assim desconsiderados e incompreendidos. O documentário deve ir ao ar pela TV Cultura até dezembro, com 60 minutos de duração. Conta com uma estrutura simples para lembrar essa época e essa geração. São depoimentos recortados por imagens de época e takes de locais e paisagens marcantes da cidade. "É um documentário clássico, sem intervenção do diretor, sem narração, sem ângulos inusitados. Por ter esse formato clássico pode ser considerado um filme simples, mas não é. Tem que prestar muita atenção no que é dito para entender. Não fiquei colocando legendas para explicar as coisas que acontecem". Para Giorgetti, este documentário tem vida própria, muito independente de seu realizador. "O que fiz é muito técnico. Cabe minha assinatura pela concepção e orientação, mas o documentário é os poetas. Eles são a cara de tudo que há lá", explica o diretor, definindo Uma Outra Cidade, talvez, como o primeiro filme com diretor e sem autor da história.

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