Um labirinto para expressar o gênio de Glauber

Documentário sobre Glauber Rocha vem a público com 23 anos de atraso. Sílvio Tendler fala do filme que estréia hoje e foi o melhor para o público e a crítica em Brasília

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Por Agencia Estado
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É a concretização de um projeto de mais de 20 anos. Sílvio Tendler lembra-se perfeitamente de quando recebeu a notícia da morte de Glauber Rocha. Ele rumou para o local onde já se encontravam diretores ligados ao Cinema Novo e foi persuadido por alguns deles - Cacá Diegues, principalmente - de que deveria fazer um documentário sobre aquele momento dramático do cinema brasileiro. Tendler havia feito Jango, sobre o ex-presidente João Goulart, filme que terminou ligado à campanha das diretas-já. Diegues fez ver a Tendler quanto era necessário que um olhar de outra geração registrasse tudo aquilo que estava ocorrendo. Tendler começou imediatamente a filmar o velório e o enterro de Glauber, mas só agora, quase 23 anos depois, esse material vem a público. Glauber ou o eterno retorno. Não existe outro autor que assombre tanto o cinema do País. Glauber está sempre presente. Agora mesmo estréia o documentário de Tendler, que se chama Glauber, o Filme - Labirinto do Brasil. E isso ocorre quando Daniel Pizzini lança, na Mostra do Audiovisual Paulista, seu documentário de curta-metragem Abry, sobre a mãe de Glauber, Lúcia Rocha, feito em parceria com Paloma Rocha, a filha do diretor. Como se completa em breve (abril) a data de seus 65 anos, Glauber ganha mais homenagens - está para sair o DVD duplo de Terra em Transe, com duas horas de material organizado por Paloma e Pizzini ; o Canal Brasil deve exibir Retrato da Terra, produção de Paloma sobre uma longa entrevista que Glauber deu ao também cineasta e atual secretário do Audiovisual, Orlando Senna; e no dia 14, no Parque da Previdência, zona oeste de São Paulo, o clássico Deus e o Diabo na Terra do Sol abre as projeções do evento intitulado Cinema no Parque, que vai levar obras-primas do cinema nacional à periferia da maior metrópole brasileira. Durante 18 anos, o filme de Sílvio Tendler ficou parado por causa do embargo da família de Glauber. Como a de Di Cavalcanti, que considerou desrespeitoso o material que o mais polêmico diretor do País colheu no velório do pintor para o seu curta Di - premiado em Cannes -, a de Glauber também reagiu mal a certas imagens. O corpo do diretor sendo vestido no caixão e uma certa história de flatulência que Tendler põe no fim estiveram no centro das divergências. Tendler defende-se. Para um marxista místico, como se define, acha que Glauber esteve sempre com ele, guiando seu trabalho. Garante que só pôde fazer seu filme assim porque era Glauber. "Qualquer outro formato, qualquer reverência e eu teria feito um documentário chapa branca", diz. Quando Glauber morreu, em 1981, estava na moda a teoria do assassinato cultural, da qual um dos maiores defensores era o também cineasta Arnaldo Jabor. Ao retomar Glauber, o Filme, em 1999, tanto tempo depois, Tendler achou que o conceito do assassinato cultural não mais cabia. Foi ao próprio Jabor, que revisou o que havia falado. Com base nas imagens de época e nos depoimentos que colheu, montou o labirinto. "Glauber é grande demais, contraditório demais; é um labirinto no qual ameaçamos nos perder", avalia. Criou artesanalmente, com tecnologia digital, o seu labirinto gráfico, assessorado por um grande profissional do Rio, Davi Leite. Ao fazê-lo, presta tributo ao seu mestre, o documentarista cubano Santiago Alvarez, um mestre do cinema político. Tendler sabe que fez um filme polêmico. Discute o artista e expõe o homem, um Glauber que adorava andar nu em casa e se considerava traído pelos amigos que o abandonaram. Esse Glauber humanizado e talvez desmistificado não é menor. O discurso de Darcy Ribeiro junto à sepultura do diretor é uma peça antológica. Ele diz que Glauber "era o mais indignado de todos nós; um pêndulo louco, oscilando entre a esperança e o desespero". Tendler não vai fundo em temas espinhosos, como o apoio final aos militares e a discutida frase do artista, que definia o general Golbery do Couto e Silva como gênio da raça. Ele admite que ficou contente quando Labirinto do Brasil ganhou o prêmio do público (e o da crítica) no Festival de Brasília do ano passado. Com seus documentários sobre Jango, JK, Josué de Castro e os dois em que trabalha atualmente - Utopia e Barbárie, sobre os sonhos destroçados de sua geração, e Milton Santos, o Mundo Global Visto do Lado de cá -, o que ele desenvolve é um vasto projeto para pensar o Brasil. O labirinto é fundamental. "Glauber me libertou; não poderia seguir adiante, fazendo cinema, sem trocadilho, com esse cadáver no meu armário."

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