"Um Dia de Rainha", correto e sem sal

Tudo é filmado num dia só - na verdade, as histórias cruzadas entre casais começam às 8 h da manhã de um dia e terminam às 5 h do seguinte. Marion Vernoux, filma como Short Cuts, de Altman

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Por Agencia Estado
Atualização:

Tudo é filmado num dia só - na verdade, as histórias cruzadas começam às 8 h da manhã de um dia e terminam às 5 h do seguinte. Um Dia de Rainha, de Marion Vernoux, trabalha em estilo semelhante ao de Short Cuts, de Robert Altman - algumas linhas narrativas seguem independentes umas das outras até que se cruzam em algum ponto do caminho. O recurso é interessante. Pode funcionar e dar em uma (quase) obra-prima, como Short Cuts, inspirado em relatos de Raymond Carver. Pode também dar neste apenas razoável Um Dia de Rainha. Tudo depende das histórias, e de quem as tece entre si. O que temos aqui? Uma funcionária de loja de fotografia, de 24 anos, começa o dia descobrindo uma gravidez indesejada. Luis, um motorista de ônibus de 40 anos, está sendo abandonado pela mulher. Hortense, 33, casada e mãe de dois filhos, resolve passar a noite na casa do amante enquanto o marido está fora em viagem de negócios. Enquanto isso, Maurice, um homem de 60 anos, prepara um jantar à luz de velas para sua amada, que partiu com outro 22 anos atrás. Marion escolhe um tipo de interesse restrito e trabalha nele. Quer falar de relações amorosas e opta por um viés pouco feliz. Não há casais bem-sucedidos nesse mundo francês moderno, ou pelo menos nessas fatias de vida escolhidas pela diretora. É até compreensível: com a competição social aumentando, parece pouco provável que as hostilidades se detenham na porta da casa e não atinjam os casais. De certa forma, a relação entre sexos espelha um pouco o que acontece na sociedade de uma maneira geral. O filme não funciona lá tão bem quando se desejaria. Marion escolhe uma forma mista de representação, na qual os dramas por vezes se convertem em comédias e vice-versa. É uma maneira de ver os personagens, no fundo. Ninguém parece ter lá grande autonomia. Deixam-se levar pela vida, como marionetes. São enganados, abandonados, ou iludem-se a si mesmos. O caso de Hortense é exemplar. Ela quer trair o marido, mas não parece nem um pouco convicta disso. Quer ir para a cama com o amante, talvez nem tanto por desejo, mas para ter alguma coisa para contar às amigas no dia seguinte. Para pôr um pouco de sal na vida, se sentir ainda desejada, coisas assim. Tudo no fundo muito humano e também muito tolo. A diretora compreende esse sentimento e acompanha sua personagem dessa maneira. Por isso, nada corre muito bem para ela, e o encontro romântico termina em vaudeville. Os outros casos não diferem muito. É como se Marion Vernoux lançasse um olhar carinhoso sobre seus personagens, mas nem por isso deixasse de notar suas fraquezas, suas bobagens, e toda essa salada mista em que se transformou a vida sentimental urbana. Mas enfim, mudam as formas, mas o conteúdo não parece tão novo. Na terra de Flaubert, Hortense se parece muito com uma Bovary moderna. Infelizmente, sem a mesma inspiração do original. Falta tônus e inspiração a este filme correto que, com um pouquinho mais de desregramento, poderia se tornar interessante. Falta a ele a pitada de sal que a infeliz Hortense reclama para o seu casamento monótono. Um Dia de Rainha (Raines d´un Jour). Comédia. Direção de Marion Vernoux. Fr/2001. Duração: 94 minutos. Cinearte 2, 14 hoas, 16 horas, 18 horas, 20 horas e 22 horas (quinta não haverá a última sessão). Espaço Unibanco 2, Sala UOL, às 14 horas, 16 horas, 18 horas, 20 horas e 22 horas. Jardim Sul UCI 2, às 21h40 (hoje e amanhã também 23h40). 14 anos

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